sábado, 2 de novembro de 2013

Não Nado por Nada, Nado por Tudo Isso

Acrílico sobre painel de Augusto Amato 


Você já descobriu a sua atividade física preferida? Eu descobri.
A minha atividade preferida é a natação. Comecei a nadar quando criança, orientado por alguns professores. Não foi uma atividade constante em minha vida, mas já faz alguns anos que reservo um tempo da minha rotina para nadar.
Para a educação física, nadar é uma técnica. Movimentos corporais definidos pelo estilo de nado são repetidos para a travessia de um lado para o outro da piscina. Cada parte do corpo tem uma posição correta na intenção de evitar criar uma tensão desnecessária no deslocamento.
É difícil transformar em palavras o que me faz nadar. Vou ignorar a dificuldade e descrever esta minha paixão. Esta é a primeira lição que aprendi com a natação: coragem é o mesmo que ignorar as dificuldades.
Quando voltei a nadar na idade adulta, chegava morrendo após percorrer os 25 metros da piscina nadando crawl. Relatando isso ao Eduardo Cillo, meu amigo e grande psicólogo do esporte em num intervalo de aula da pós-graduação, Edu me recomendou dosar o ritmo. Foi quando eu descobri que nadar não é brigar com a água, é tentar deslizar sobre ela.
Só uma paixão pode ser capaz de me fazer acordar de madrugada e perambular até a raia quatro vezes por semana. Tem dias que tenho a sensação que rolo na cama e, ao invés de me esborrachar no chão, caio dentro da piscina.
A água é meu despertador. A piscina é meu chuveiro empoçado. As braçadas e as pernadas são o meu café da manhã. O mais surpreendente é que praticando com frequência não saio da água cansado, saio mais disposto. A natação é o meu antidepressivo.
Se você não gosta de pensar, não nade. É uma atividade individual. Ainda que a natação seja em turma ou equipe, com ou sem professor, passa-se a maior parte do tempo indo e vindo, sozinho. Se não consegue encarar seus próprios pensamentos, faça hidroginástica ou jogue bocha, entre para um time de basquete ou vôlei, jogue futebol. Não nade.
Durante o vai-e-vem na piscina eu processo meus pensamentos e sentimentos. Recordo os acontecimentos recentes que o excesso de afazeres não me permitiu entender, e vou pensando no que aconteceu. É como se eu retirasse os azulejos do fundo da piscina e recolocasse em outra ordem. Nadar é fazer um mosaico com os cacos das emoções.
A melhor maneira de processar os eventos cotidianos não é parando pra pensar. É pensar nadando, pensar andando, pensar dirigindo. Quem para pra pensar deixa a vida passar. Nunca despreze um pensamento súbito, independente do que esteja fazendo. Ele está pedindo atenção, querendo ser ao menos reconhecido. Deixe que ele volte na primeira brecha possível. Nadar é a minha brecha para dialogar comigo mesmo. A natação é meu solilóquio. Eu nado um quilômetro para que o diálogo solitário não seja interrompido.
E acredite, por volta dos 500 metros nadados, começa a emergir das águas uma incrível habilidade de resolver problemas. É quando eu acho uma saída para um dilema, tenho uma ideia de como resolver um impasse e exercito minha criatividade. Já escrevi uma crônica enquanto nadava. Nadar é meu exercício de brainstorm.
A Natália já me conheceu com essa paixão, por isso nunca criou caso por me ceder pra natação. Nunca foi capaz de implicar com o tempo gasto nos treinos, com mais uma atividade me tirando tempo de estar em nossa casa.
Já de cara foi obrigada a tolerar o cheiro de cloro que fica na pele. Não adianta tomar banho, passar hidratante e terminar com um perfume. O cheiro da natação é como o batom da amante que deixa marcas na gola. Não dá pra disfarçar.
Há um tempo atrás o clube fechou a piscina para reforma. Sem uma previsão exata de quando eu voltaria a nadar, entrei em desespero. Foi como uma crise de abstinência. Sentia que faltava algo para completar minha rotina. Eu sentia falta de nadar, a Natália do cheiro de cloro.
Quando ela me encontrava, percorria meu pescoço em busca de um cheiro que não existia mais. Foram quase duas semanas de embate com sua memória olfativa até uma nova habituação.
Até que um mês e meio depois a piscina foi reinaugurada. No primeiro dia que eu voltei a nadar, quando ela chegou em casa e me cumprimentou, a primeira pergunta que ela fez foi:
— Que cheiro é esse de água sanitária? Você fez faxina?
— Posso dizer que sim. Arrumei a bagunça dos seus pensamentos enquanto voltava a nadar.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Prefiro um mergulho nos sentimentos do que boiar num mar de emoções. Nadar é o que mais me aproxima de voar.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, primeiro caderno, p. 2, 02/11/2013, Edição Nº 1274. 

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