sábado, 13 de outubro de 2012

Cafezinho com Amor

Arte de Weberson Santiago



Angela e Rubens se casaram muito jovens e tiveram três filhos, duas mulheres e um homem, que lhes deram 7 netos. Foram casados por 54 anos, quando Seu Rubens veio a falecer. Teve um infarto seguido de complicações, faleceu dois dias depois de ser internado.

Eu conheci Dona Angela no balcão da padaria. Todas as manhãs nos encontrávamos, quando ela tomava um café e comia um mini pão francês com manteiga. A interação é inevitável quando a repetição do encontro promove a convivência. Era minha parceira de guardanapo. Sempre que eu apontava na porta da padaria, Dona Angela mudava a caixinha preta de lugar. Era seu convite para sentar ao seu lado no balcão.

Dona Angela me contou que desde o dia seguinte de sua festa de casamento, Seu Rubens tomou o hábito de levantar com os primeiros raios de sol e passar o café. A primeira xícara que saía do coador era dela. Ele levava até a cama e acordava a amada. O café era o bom dia de Rubens a Angela.

No amor, o hábito se torna obrigação. Nos 54 anos em que estiveram casados, era assim que funcionava. Quando viajavam, se eram hóspedes de um hotel, ele descia até a sala do café da manhã e subia com a xícara cheia e fumegante. Em um fim de semana no litoral com um dos filhos e os netos, ainda assim ele cumpria seu ritual. A primeira providência no novo lugar era descobrir o coador e o pó de café. Contrariando a medicina, acordar com uma dose de café não terminou em gastrite. A explicação não é nada científica: nessa xícara eram adicionadas três colheres de chá de amor.

Ela nunca recusou, nem quando estava sem vontade. O gesto de amor não pode ser rejeitado, qualquer espécie de carinho não merece negativas, ainda que seja inconveniente.  “Algumas vezes eu acompanhava os familiares na cerveja até as duas da manhã, enquanto ele se deitava quando o relógio marcava dez da noite. Às seis horas, mesmo com a ressaca e como hóspedes na casa da nossa filha, ele me levava o café na cama”, confessou.

Quando Angela perdeu Rubens, não sabia fazer café, mas não se abateu. Elegeu a padaria para lhe fornecer o mimo de todas as manhãs. Preferia lembrar, na padaria, da imagem do despertar com o café e o chamado carinhoso do marido, a esperar que isso acontecesse na cama depois da imposição de sua ausência. A contrapartida para o amor que recebera todos os dias era conservar a disposição.

A história de Dona Angela me fez lembrar um hábito de minha avó. Ao passar o café de manhã, assim que enchia o suporte de plástico do coador de papel com água fervente, levantava o coador e enchia uma xícara esmaltada amarela. Servia o primeiro café para São Benedito. Quando criança, questionei o café do santo, mas fui severamente repreendido e obrigado a retirar a xícara da frente da imagem quando o santo estava satisfeito (o que se dava perto da hora do almoço).

Minha avó não está mais entre nós e talvez até se encontre no mesmo lugar que Seu Rubens. Juntos estão passando café pro São Benedito. Minha surpresa foi perceber, dias destes, que seu hábito foi preservado pela sua cozinheira. Ela passa café pro meu avô e todas as manhãs serve o São Benedito.

Permeando as atitudes de Seu Rubens e de minha avó está a subserviência. O cuidado em servir, em fazer por alguém. Eles não foram obrigados a coar o café sob pena de alguma consequência grave, mas escolheram fazer assim. A atitude com amor começa sensível à vontade alheia. Depois que se fez uma rotina, acontece independente da vontade do outro. É uma submissão voluntária que se torna uma obrigação a partir de uma iniciativa.

Não existe fidelidade mais bonita do que a escondida por detrás de um hábito.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Coador. Coa a dor. Com fé. Café. Café e coador. Cafezinho com Amor.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 3, 13/10/2012, Edição Nº 1221. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa q lindo.
Uma história dessas nos comove e nos faz refletir sobre nossas atitudes com as pessoas as quais amamos.