Arte de Weberson Santiago |
Toda família é um zoológico.Cheguei a esta conclusão quando
assisti ao filme “Compramos um Zoológico”. O título lembra os filmes exibidos
na sessão da tarde, mas o longa-metragem é belíssimo. Baseado na história real
do jornalista Benjamin Mee, que perdeu sua esposa e decide se adaptar a esta
situação, mas precisa de uma nova casa para viver com seus filhos, uma
encantadora menina de cinco anos e um garoto adolescente com problemas na
escola.
Buscando a nova casa na companhia de sua filha, se interessam
por um imóvel na zona rural da cidade. Decididos a ficar com a propriedade,
descobrem que ela é parte de um zoológico, e a exigência para concretizar o
negócio é administrar os animais e salvar o zoológico, com a ajuda da equipe de
funcionários tratadores. Benjamin aceita o desafio de reabrir o zoo e se muda
para a casa com seus dois filhos.
A história se desenrola em torno da reabertura, mas o que me
chamou a atenção no filme foram alguns pontos da história do personagem central
com a sua mulher, já falecida no início do filme. As cenas de flashback mostram
que o casal era muito feliz. Benjamin se dedicava a profissão de repórter
intensamente. A mulher cuidava dos filhos e da casa, dando suporte para ele se
dedicar inteiramente as suas reportagens e cobertura internacionais.
Minhas observações na vida me fazem acreditar que é possível se
apegar pessoas insuportáveis e a relações difíceis, de maneira que a perda
dessa pessoa possa ser um grande sofrimento, ainda que livre o seu cotidiano de
uma boa dose de aborrecimento. O caso de Benjamin é o contrário, foi a perda de
um grande amor, de uma parte importante de uma família que a fazia funcionar,
que era importante para viver momentos felizes. A morte da mulher causa um
desequilíbrio na trajetória familiar, exigindo que Benjamin se adapte. O filme
me fez pensar que a perda de um grande amor só pode ser curada com a compra de
um zoológico. Dizendo de uma maneira menos poética, que só é possível não se
entregar diante da perda de um amor se arrumarmos um desafio para se dedicar,
uma grande empreitada para se entregar.
Não como uma substituição de cuidados ou para esquecer a
perda, e sim para aprender a suportá-la. Para lidar com a morte é preciso se
distrair do buraco deixado pela partida de quem amamos e, enquanto isso, vamos
processando a sua falta cuidando de algo. Encarar somente a dor da perda e se
esquivar do que ficou no mundo é o que faz alguém se deprimir.
Durante a aventura com os animais e no gerenciamento da
equipe de profissionais, Benjamin precisa superar seus limites para resolver
coisas que ele nunca havia lidado na vida, como se aproximar do filho. Uma das
cenas mais emocionantes é quando ele se nega a sacrificar um tigre muito velho,
contrariando o parecer da veterinária. Foi na necessidade de aceitar a morte do
tigre que ele decide deixar a saudade da esposa para trás, viver o presente e reconstruir
sua vida afetiva.
Para saber se ele consegue reabrir o zoológico e qual o
destino dessa família você terá que assistir o filme. Vale a ida até a
locadora. Você pode pedir para o seu marido buscar o dvd. A não ser que ele seja
do tipo bicho preguiça, daquele que se esparrama no sofá da sala e não é capaz
de responder uma pergunta pergunta sequer depois de um dia de trabalho. Mas não
desista, peça para o pavão. O pavão é o filho adolescente que privatizou o
banheiro só pra ele, deixando todo o resto da família rugindo de raiva feito
leão. Entre as horas trancado no banheiro e o isolamento na frente do
computador (feito um cachorro diante do frango assado girando no espeto) o
filho pavão pode buscar o dvd pra você.
Se as duas sugestões acima não parecem possíveis, o jeito é
acordar com as galinhas e buscar você mesma. Ponha na TV assim que a família
terminar o almoço. O marido preguiça e o filho pavão vão adorar o filme. Mesmo
fazendo você de gato e sapato, terá valido a pena o esforço, sobrando apenas a
pilha de louça para depois da subida dos créditos no final do filme. Administre
o latido cachorro ou a briga entre o gato e a calopsita durante as partes mais
importantes da história.
Só não tente convidar qualquer parente porco espinho. O
convite vem com brinde: a certeza que você levará um espetada. Não adianta se
arrepender depois do fim do filme. É preciso ser macaco velho e não esperar que
as coisas deixem de ser como sempre foram. Não se deixe enganar com o cunhado
ouriço, ele também tem espírito de porco e vai trazer uma caixa de cerveja pra
assistir o filme, transformar o marido em cavalo no dia seguinte, cheio da
ressaca, distribuindo coices.
Toda família é um zoológico. Um zoológico disfarçado que
finge ser civilizado.
| Os quartos podem se tornar jaulas. A escolha é entre domar as
feras ou ser devorado por elas.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 15/09/2012, Edição Nº 1217.
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