Arte de Weberson Santiago |
Na convivência eu sou um chato. Em
se tratando de mania, vivo na prática da substituição. Conforme esqueço de
alguma, arrumo uma mania nova. Sofre quem convive comigo, quem divide o espaço
na mesma casa. Que o diga a Natália.
Basta falar o cômodo que eu
descrevo o que me aborrece. No banheiro, eu implico com os restos de sabonete
que se acumulam na saboneteira. Não aguento ver os pedaços coloridos formando
uma pilha, ainda que jogar fora me custe um pequeno desperdício. Enquanto eu
elimino o resto do sabonete antibactericida para abrir um novo, a Natália
coleciona os restinhos do sabonete hidratante.
Ainda neste cômodo, me atenho a
coleção de embalagens na prateleira do chuveiro. Uma coleção de shampoos e
condicionadores fazendo volume com apenas um restinho, de maneira que, ao pegar
um, o último da fila cai no chão. Mesmo incomodado com o cai-pega, não jogo
fora. Vai que a Natália está guardando a sobra para uma ocasião especial.
Juntando meia dúzia de manias como
essas, resolvi conversar com a Natália sobre como dividimos o espaço e como cuidamos
de algumas coisas da casa. Ela ouviu tudo com atenção, acolheu a crítica. Não
colocou qualquer objeção e não devolveu nenhuma reclamação.
Foi quando eu me esqueci de ter
advogado a favor de minhas manias que eu percebi o que eu havia feito. No fim
de semana seguinte, assisti de camarote a revolução. Ela registrou todas as
reclamações e, sem falar nada, mudou de atitude. Passou a cuidar de nossa casa
com mais atenção, a fazer na hora o que poderia deixar para depois e fez muita
coisa além das minhas queixas.
Além de recolher os sabonetes no
fim e jogar fora os vidros vazios de shampoo, deixou todas as tarefas da
faxineira numa lista e ainda conseguiu aproveitar o tempo livre que sobrou na
piscina depois de ajeitar toda a roupa.
No domingo, pulou da cama às sete
e meia da manhã e foi direto para a cozinha. Queria fazer um bolo de chocolate
e fechar com chave de ouro o super desempenho no lar. Era sua terceira
tentativa. A primeira experiência foi tentar repetir o sucesso do bolo de coco
da adolescência, mas descobriu que a receita só funciona no forno da sua mãe. O
bolo de banana foi batido na mão com todo o cuidado, mas ficou solado. O de
chocolate foi sua terceira decepção. A receita mais uma vez não deu certo, mais
uma frustração.
Quando venci a preguiça de domingo,
levantei e sentei na mesa posta do café, diante da metade do mamão cortado e
sem sementes. Apesar de ter choramingado o fracasso do bolo enquanto tomávamos
café, logo depois estava preparando aquele almoço, usando tudo que estava
sobrando na geladeira. A única coisa que ela falou ao final do dia foi que quer
aproveitar mais os finais de semana.
É impressionante como nós, homens,
temos a dificuldade de cuidar de mais de uma coisa por vez. Quando eu propus
discutir a relação com a Natália, só conseguia falar pelas minhas manias. Desconsiderava
todo o resto e não conseguia olhar as razões dela para algumas displicências. As
mulheres não. Elas são capazes de administrar várias coisas ao mesmo tempo, com
muito menos aborrecimento, sem distribuir patadas. Enquanto eu me gabo por
fazer duas coisas ao mesmo tempo, ela faz pelo menos três. Ao invés de se
afobar e tomar atitudes intempestivas, sabe esperar a hora de mostrar o que ela
pensa.
Para mim, ou melhor, para nós o
relacionamento é a oportunidade de se reinventar. De deixar de lado uma mania
para tentar vencer um limite que ficou escancarado pela relação, de fazer o
conflito virar adaptação. Para o
relacionamento durar, é preciso esquecer o que já foi, se for para começar de
novo a fazer as coisas de sempre de uma maneira diferente. Se a gente não se
reinventar, a relação não vai se sustentar por si mesma. Eu vi que preciso
esquecer das manias e lembrar de como melhorar os nossos finais de semana.
Precisava encontrar um jeito de mostrar
aquilo que eu já sabia, mas que havia esquecido ao eleger as manias da vez.
Gosto de vê-la assumindo o seu papel de dona da nossa casa. Gosto de procurar
por ela enquanto ela cumpre seus afazeres. Não tem graça interromper a mulher
quando ela está jogada no sofá vendo televisão. Bom mesmo é fazer ela parar de
lavar a louça com um abraço surpresa, atrapalhar a arrumação do quarto com um
esbarrão intencional, deixar a porta do banheiro entreaberta enquanto faço a
barba pra ver se ela entende o convite para me fazer companhia.
Resolvi demonstrar o quanto gosto
de compartilhar nossos espaços dando uma coisa. Não é uma afronta presentear a
mulher com um utensílio doméstico se o homem é capaz de perceber do que ela é
capaz no malabarismo feminino dentro de uma casa. Comprei uma forma de bolo
nova para lhe dar de presente. E às sete da manhã do próximo domingo eu estarei
de pé para repetir, com ela, a receita do bolo. E faço questão de repetir até
que dê certo.
| O conflito é o
fermento deste bolo chamado relacionamento. Se bem aproveitado, a relação
cresce.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 01/09/2012, Edição Nº 1215.
Um comentário:
Bela crônica, meu caro! Bela crônica. Você tem o dom de escrever certísssimo, ao mesmo tempo, simplesmente. Poucos se dão bem nesta façanha. Quanto ao bolo, o tempo será o mediador. Abração!
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