domingo, 24 de julho de 2011

Fazendo Cera

Arte de Weberson Santiago



Fabiana tem vergonha de ser dramática, mas basta uma pequena situação espicaçante para que ela resolva da forma mais teatral. Certa vez, durante seu doutorado conheceu Fernando em uma disciplina que cursavam juntos. Depois de algumas conversas no café do intervalo, resolveram marcar um encontro fora do ambiente acadêmico. Tudo foi inicialmente combinado, faltando apenas uma ligação dele, que não aconteceu. Este foi o motivo para a discussão que segue.

Ele começa a com “Minha querida amiga” e ela responde “Ainda não me considero sua amiga”. Ele segue com “desde que estreitamos nosso vinculo” e ela questiona “quando fizemos isto mesmo?”. Ele diz “eu vivo fisicamente sozinho, não tenho amigos ao meu redor e sei o que você está falando, mas me acostumei com a solidão” e ela elabora “eu realmente vivo sozinha fisicamente, mas os poucos amigos que tenho são verdadeiros e a distância que tenho deles não me impede de pensar que estão ao meu redor, pois sempre que preciso deles, eles vêm até mim”.

Quando ele justifica “ontem não foi propositadamente”, ela rebate “eu não disse que foi, mas talvez não tenha entendido, eu liguei no sábado e você ficou de ligar no domingo”. Ele tenta apaziguar: “não veja minhas mancadas com os encontros como uma falha de caráter ou uma desconsideração com você” e ela encerra “como eu vejo, realmente não importa”. Ele solicita: “por favor, vamos conversar e desfazer esse mal entendido” e ela responde “para mim não tem mal entendido nenhum. Aliás entendi muito bem”.

“Vamos dar um jeito de reparar esse equivoco”, pede ele. “Não há equívoco algum Fernando, pelo menos para mim”. Ele insiste: “Me dê essa chance, vou me encaixar na sua agenda, apenas me dê as coordenadas”. Ela: “Chance de quê? Acho que não precisa dispensar seu precioso tempo comigo”. Ele termina com “seria uma honra te receber em casa!” e ela despeja:

“Falando especificamente de nós, com a relação que iniciamos, não tenho mais desejo de lhe encontrar. Isto se explica por questões internas minhas, é claro, mas também pelo que infelizmente nos ocorreu. Quando você disse ‘pode ser no final da tarde se quiser, fico no seu aguardo’, talvez você não tenha percebido a sutileza, mas fico no seu aguardo é um dos seus problemas. Para finalizar, só vou explicar o meu silêncio até hoje.

De quinta para sexta eu adquiri uma gripe alérgica provocada por um produto de limpeza novo que comprei para limpar a casa e receber um suposto amigo que iria me ver, sabe. Optimum para pisos de madeira. O troço me desencadeou uma alergia imensa e, de sexta para sábado, mal dormi com o nariz entupido. No sábado, me levantei arrastando até o banheiro para tomar um banho e com muito custo ainda lavei meu cabelo, lixei minhas unhas e me depilei. Afinal eu tinha um almoço com um amigo e à tarde iria te encontrar.

A ideia era ainda chegar em casa depois do almoço, transcrever minha entrevista da tese, fazer uma prancha no cabelo para ir lhe encontrar ao menos apresentável. Se tivesse prestado um pouco de atenção quando te liguei no sábado perceberia minha voz fanha. Claro que, mesmo doente, eu não iria desmarcar o encontro com você, para não furar um compromisso que para mim só é furado em casos extremos. De sábado para domingo, a rinite piorou muito, pois o tempo esfriou mais e acordei sem ao menos conseguir levantar da cama. Quando lhe escrevi brevemente – me liga a cobrar, estou em casa o dia todo – eu estava na cama com o laptop em cima dos joelhos.

Lá pelas quinze horas do domingo, meu amigo de Belo Horizonte que agora mora aqui, ligou para saber como eu estava. Ele ainda não tem número aqui de São Paulo, ou seja, fez uma ligação interurbana para saber se eu tinha melhorado da rinite. Eu disse que estava na cama. Ele saiu lá de Pinheiros, foi até a minha casa e me arrastou para almoçar dizendo que eu precisava comer, senão iria piorar. Me levou arrastada até o shopping e depois me deixou de volta em casa com mil recomendações, pois eu só queria deitar. Durante este mesmo domingo recebi mais três ligações – Francisco, Marcos e Luciana – querendo saber se eu precisava de alguma coisa, se queria ir ao médico.

À noite, quando eu abri meu e-mail de novo, não esperava um e-mail seu, já que não havia ligado e tudo e tal. Eu respondi para você ainda na cama. E desculpe se teve o tom de desabafo, mas realmente ando cansada. Fiquei deitada a tarde toda com o corpo desfalecido. Só agora, às 11h32min da terça feira eu pude abrir meu e-mail e ver o que escreveu. Assim, colega, caso tenha percebido, se não estivesse aí até agora esperando eu te ligar, teria visto que eu estou doente e até fiz um esforço descomunal para manter nosso encontro. Ou mesmo ficar aqui lhe escrevendo. Mas sério: não vale a pena mesmo. Esquece tudo isto, esquece que algum dia nos conhecemos, me esquece e se a gente se cruzar na Universidade ou em qualquer outro lugar não vou lhe tratar com indiferença: sou educada, vou fingir que nada ocorreu e tudo segue como antes, ok? Espero que entenda.”

O que um Optimum não é capaz de fazer.

UM CAFÉ E A CONTA!

| Por vezes somos obrigados a disfarçar o melhor sentimento, facilmente, como se ele não existisse.



Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria

Caderno Cultura, p. 3, 23/07/2011, Edição Nº 1157.


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