sábado, 9 de abril de 2011

Missionário do Amor

Arte de Weberson Santiago



Estranhei três pessoas me procurando para contar que arriscaram no amor em um único dia. Adolescente tímido tomando iniciativa e solteironas engatando novos e primeiros relacionamentos. Lista digna de certa responsabilidade. Comecei a perceber uma mudança em várias pessoas do meu cotidiano, mostrando que a bandeira do amor é capaz de conquistar seguidores quando levantada. Descobri que posso ser um missionário do amor.

De algum tempo pra cá, venho compartilhando as minhas desventuras amorosas com aqueles que convivem comigo. Não tinha vergonha alguma de narrar um fora, de relatar um dos meus finais de semana ou de dividir meu desânimo com os relacionamentos que não davam certo. Quando diante das boas surpresas, me assumia envolvido e até mesmo apaixonado.

Defendia o fim do amor de açougueiro. Também conhecido como amor de churrasqueiro, é o relacionamento em que a pessoa se entrega em partes: trezentos gramas de carinho na segunda, cem gramas de mau humor na terça, meio quilo de amor na quarta, um quilo de impaciência na quinta e dez quilos de carne e duas caixas de cerveja para a sexta, o sábado e o domingo. O amor de açougueiro impede de viver a vida por inteiro.

Entregar-me completamente não me impediu de sofrer, mas fez-me criar as oportunidades de encontrar meu grande amor. Quando queremos alguém que nos ame por inteiro, precisamos saber receber o amor primeiro. E se ele brota, se o amor é constatado em sensações das mais sublimes, deve ser entregue. Só recebe o verdadeiro amor quem o merece. Se não merece, há de partir e deixar o amor para quem mais carece.

Ser missionário do amor não é querer fazer às vezes de cupido. Aquele que quer ser a agência de encontros afronta o caminho natural do amor e será responsável unicamente pelo atropelo. Tentará alterar o destino do outro, enquanto deixa de construir o próprio futuro. Não há algo pior do que ser mesquinho no amor. Ridicar o afeto. Sonegar compaixão. Desperdiçar sensibilidade.

Estou falando do amor do balcão de frios. O tipo de relacionamento que é encarado como obrigação e que sofre de carência de doação. O amante do balcão de frios é o que acha que poderia se relacionar sem assumir responsabilidades. Se existem as bandejinhas pesadas e embaladas, o amor dos frios não encontra a razão para um pedido no balcão. Não será capaz de entender a importância da espessura da fatia de presunto, muito menos terá sensibilidade para pesar cento e trinta gramas de mussarela e passará o resto da vida reclamando sobre o motivo das pessoas não comprarem frios pedindo somente múltiplos de cem gramas. Não suporta a dependência e detesta a concessão. Considera um fardo ter que medir o peso, embora tenha sempre escolhido ser a vitima da balança.

Então, o que é ser missionário do amor? Demonstrar o sentimento na atitude é ser missionário do amor. Experimentar o lugar do outro, ainda que na imaginação, é ser missionário do amor. É considerar o amor uma missão.

Encarar o amor como missão é ser uma padaria dentro de casa. E ser uma padaria dentro de casa é se orgulhar de ter sempre uma casa cheia de bocas. É ser padeiro das emoções. É acordar cedo para produzir para, mais tarde, abocanhar alguns sonhos. É deixar o café e a mesa prontos, para depois de tomar o café e jogar conversa fora, tirar a mesa juntos.

É caminhar sempre na mesma estrada, um ao lado do outro de mãos dadas, ainda que diante da distância.

Ser missionário do amor é cuidar, brincar e morder. E ser missionário do amor é amar, chorar e sofrer.

Qual o pré-requisito para ser missionário do amor? Estar vivo.


UM CAFÉ E A CONTA!

| As árvores que crescem mais alto são as que não se importam em depender do arrimo.


Publicado no Jornal Democrata

Caderno Cultura, p. 3, 09/04/2011, Edição N° 1142.


Um comentário:

Rosa Maria disse...

Amor....eta bichinho cheio de surpresas.
Seguir sempre em frente acreditanto sempre no amanhã.
Amar é bom demais....rejuvenesce.
Abraços.