Arte de Weberson Santiago |
Acabei
de receber uma ligação do meu amigo Jonas. Nós fizemos junto o ginásio e o
colegial, quando ainda eram chamados assim.
Ele me
ligou para agradecer uma coisa que lhe falei há mais ou menos seis meses atrás,
quando nos encontramos, sem combinar, num café e aproveitamos para colocar o
papo em dia e nos atualizarmos sobre a vida um do outro.
Toda vez
que nos encontrávamos, Jonas reclamava de seu pai ou de sua mãe. Foram muitas
as vezes que me lembro de ouvir suas reclamações. Dizia que o pai sempre
implicava muito com ele, com seus gostos musicais, com seu jeito de ser. Numa
outra vez, reclamou que o pai se recusava a lhe ajudar quando ele precisava e,
quando o fazia, ficava cobrando ou jogando na cara.
Jonas
também reclamava da mãe, que nunca cuidou dele e dos irmãos direito. Que sempre
foi ausente, ou porque trabalhava demais, ou porque não estava bem para lhes
dar atenção. Ela não gostava dos seus amigos, que ele adorava, e dizia que eram
más companhias. Certa vez reclamou também que ela vivia podando sua liberdade.
Na
adolescência, também incomodado com meu pais e no ápice da rebeldia, dava toda
a razão para o meu amigo. Na época da universidade, em que ainda dependíamos de
nossos pais financeiramente, comecei a achar que eles não eram tão ruins assim,
pois lhe deram muitas possibilidades, mas preferia manter meu pensamento
guardado.
Na
última vez que nos encontramos, quando percebi que a trilha sonora em mp3 do
pen drive do Jonas seria a mesma que eu ouvia na vitrola através da agulha
percorrendo as ranhuras dos discos de vinil em nossa adolescência, resolvi ser
sincero.
Disse-lhe
que ele me reclamava dos seus pais desde a nossa infância e que não entendia
porque ele ainda se incomodava e se queixava tanto até os dias de hoje. Sua
vida ia bem, a profissão estava caminhando e dando melhores resultados a cada
ano, o casamento não tinha maiores problemas e seu filho crescendo com saúde.
Ele ficou surpreso pelo questionamento, mas eu não parei por aí.
Falei:
“Jonas, o problema não é o que seus pais deixaram e deixam de lhe dar. O
problema é que você não aceita os seus pais como eles são e não consegue
enxergar que você soube levar a vida muito bem sem que eles lhe dessem o que
você se queixa. Seus pais foram os melhores que eles conseguiram ser. Você é um
ótimo pai, bem diferente daquilo que lhe incomodou na infância. Hoje você tem
condição de ser, você mesmo e para si mesmo, esse pai e essa mãe que você
passou todos estes anos esperando que seus pais fossem.”
Ele
ficou parado, meio em estado de choque com minhas palavras. Após alguns
segundos em silêncio, mudou de assunto perguntado algo da minha vida.
Eu fui
embora pensando que tinha pegado pesado demais. Depois que ficamos algum tempo sem
trocar mensagens no celular, chegou a passar pela minha cabeça que eu tinha
perdido um amigo.
Ele me ligou
hoje para me dizer que, depois de refletir sobre aquilo que lhe falei, percebeu
que ele realmente não precisa mais de que seus pais lhe deem o que ele tanto
reclamava. E que a partir de uma postura de menos cobrança e menos magoada, que
seu relacionamento com os pais tinha até melhorado. Fiquei surpreso com a
ligação e contente por ter conseguido lhe ajudar.
As vezes
a gente esquece de virar o disco até que alguém pergunta se dá para mudar de
trilha sonora.
| O que não vier de mão beijada, arregace as mangas e corra atrás
para conquistar.
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