sábado, 15 de abril de 2017

Espirrar para a Luz e Estalar os Dedos

Arte de Weberson Santiago




Nosso corpo tem umas coisas esquisitas. O meu, por exemplo, tem umas bem estranhas.

Quando olho para a luz do sol, espirro. Já pesquisei as explicações científicas e descobri que o problema de espirrar diante de luz solar, flashes fotográficos ou até na luz da lanterna  do oftalmologista chama-se espirro fótico e afeta de 17 a 35% das pessoas. Sou privilegiado. Meu corpo veio com um opcional de fábrica sem ter pago nada a mais por isso.

Premiado, não me contentei com as explicações científicas e resolvi criar explicações poéticas. Para mim, quem espirra ao olhar para a luz do sol sofre de um quadro de alergia da transição rápida da escuridão das dúvidas para a luminosidade das ideias.

É uma alergia do excesso de luz de uma descoberta, uma hipersensibilidade à claridade de reflexões que trazem entendimento sobre questões até então não respondidas. Portadores do espirro fótico, sentem-se confortáveis em dias cinzentos, pois são amigos da melancolia. Carregam consigo músicas tristes e sofridas que, quando ouvidas, promovem uma sensação de paz, de quilíbrio entre o sentimento e a música ambiente.

Tem uma outra coisa esquisita, essa já não tão exclusiva quanto o espirro fótico, que é a capacidade de estalar os dedos. Se a gente for parar pra pensar, é muito estranho ser capaz de produzir um estalido breve e seco com as nossas próprias juntas.

Dizem os cientistas que os barulhos são bolhas de ar formadas durante os movimentos da mão em meio a um fluído lubrificante existente nas articulações. O consenso entre os cientistas termina aí. Há quem defenda que estalar os dedos não faz mal algum. É o caso do pesquisador Donald Unger, nobel em medicina, que passou 60 anos estalando os dedos de apenas uma das mãos para ver se resultaria em artrite, mas não constatou diferença que demonstre prejuízo. Existem outros pesquisadores que defendem que a longo prazo causa inchaço e produz perda de força.

Nenhum deles concluiu algo em concordância com o que dizia a minha avó, que mandava a gente parar de estalar os dedos porque os dedos engrossavam. Nós ficamos sempre perdidos entre as controvérsias dos pesquisadores. Não coma ovo, volte a comer o ovo. Não coma manteiga, só margarina. Não coma margarina, escolha a manteiga. E nós no meio, cada hora pra um lado. Por isso preferiria contrariar a minha avó.

O medo que ela tentava nos colocar era quase que um convite a continuar estalando para ver se os dedos de fato ficariam mais grossos. Hoje eu não sei se meu dedo engrossou porque eu cresci ou porque eu estalava os dedos. Talvez Deus tenha dado o estalo nos dedos de presente como um plástico bolha acoplado em nosso próprio corpo. Isso se estalar os dedos não fizer mal algum. Agora, se estalar os dedos fizer algum mal, deve ter sido colocado pelo “coisa ruim” no dia em que Deus estava descansando como mais uma das coisas prazerosas que a gente tem que se controlar para não fazer em excesso.

Quando a explicação científica não lhe convencer, experimente doses homeopáticas de poesia. Quando os cientistas não entrarem em consenso, peça ajuda a sua própria imaginação.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| A poesia é um santo remédio. A imaginação não decide, mas diverte.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 15/04/2017, Edição Nº 1455.

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