sábado, 9 de julho de 2016

Você Me Mata de Vergonha!

Arte de Weberson Santiago




Estávamos em casa recebendo um casal de amigos para o jantar. Anelise se arrumava para ir ao aniversário de uma de suas duas melhores amigas. A toda hora ela nos perguntava que horas eram, pois não queria chegar atrasada na festa e perder algum momento importante.
Quando deu a hora, saímos o meu amigo e eu para leva-la até a chácara onde aconteceria o aniversário. Seguimos o mapa que veio com o convite, entramos na estrada de terra e chegamos até o local. Eu desci do carro e perguntei ao pai que esperava na porta:
— Aqui é o aniversário da Júlia?
Sem deixar o pai da aniversariante responder, a Anelise disse:
— Que, Júlia, pai? É Carol! – esbravejou enquanto levava a mão até o rosto como quem passava pelo maior vexame da sua vida, aos sete anos.
O pai da aniversariante, segurando uma long neck de cerveja enquanto recepcionava os convidados da filha, deu risada da situação.
Eu tratei de entrar no carro e dar no pé, fiquei com vergonha do furo e com medo de ter estragado a sua festa. Eu que me achava o máximo por saber o nome de seus programas preferidos, cantores e das suas duas melhores amigas, acabei por inverter o nome delas no dia do aniversário.
Quando nós voltamos ao nosso jantar em casa, o relato do furo foi motivo de risadas. Mas a minha vergonha de mim mesmo só passou quando ela voltou feliz e contente da festa.
Então eu fiquei pensando se é possível educar um filho sem lhe fazer ficar envergonhado com alguma atitude de seus pais. Foi quando me lembrei de outra situação. Quando vou leva-la à escola, costumo colocar uma música que gosto e ir cantando no caminho. Ela costuma me acompanhar no canto, mas conforme vai chegando perto da escola e eu estou empolgado com o refrão, ela me pede para parar de cantar.
— Para pai, senão alguém vai pensar que você é louco e eu vou morrer de vergonha!
— Tá bom...
Ainda não cheguei naquela fase em que o filho pede para deixar numa esquina antes ou a dois quarteirões da escola.
Eu não me importo que ela tenha vergonha da minha aparência ou do nosso carro, porque ela está comparando o que ela tem com que os outros tem. Está construindo sua identidade e experimentando quem é ou gostaria de ser. Isto envolve admirar alguns modelos e rejeitar outros modelos. Quem nunca pensou que seus problemas estariam resolvidos se tivesse nascido em outra família?
O que eu não suportaria é que ela tivesse vergonha de mim pela minha falta de caráter ou pela minha desonestidade. Quando a isso, dou o exemplo. Do resto, sem querer vou lhe dando pequenos bons motivos para se envergonhar.
UM CAFÉ E A CONTA!
| O que te envergonha na infância um dia pode ser motivo de orgulho.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 09/07/2016, Edição Nº 1415.

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