sábado, 23 de julho de 2016

A Guerra do Lençol

Arte de Weberson Santiago



Acordamos discutindo por conta do lençol. Eu lhe acusava de ter puxado e me deixado descoberto. Ela me culpava pelo mesmo.
A verdade é que passamos a noite como num cabo de guerra. Eu puxava de cá e ela puxava de lá. O vento frio entrava pelas frestas da veneziana e a satisfação não podia ser mútua. Se um estivesse coberto, o outro ficava desprotegido.
Nessa disputa pela coberta, pelo edredom ou pelo lençol ninguém se reconhece como o culpado. Você acorda, acende a luz do celular e espia o outro enrolado no lençol como se estivesse em um casulo, mas ao acordar e jogar na cara a cena vista, ele nega. É a mesma história que acontece com o ronco. No casamento, ninguém admite que puxa o lençol e ninguém assume que ronca.
No namoro ninguém passa frio, mesmo se tiver uma toalha de rosto como cobertor. No casamento, um lençol king size trezentos fios acetinado não é capaz de aquecer o casal ao mesmo tempo. Parece até que o lençol vai encolhendo durante a noite, conforme a temperatura cai.
Eu, o prático da casa, propus que adotássemos o costume de cada um usar o seu lençol. Pronto, acabava de incendiar a discussão. A mulher me acusou de ser individualista e antirromântico pela minha desistência precoce em dividir a coberta. Acusou-me de aceitar facilmente a quebra da cumplicidade.
Cobrou-me que lutasse pela continuidade do funcionamento como casal. Lembrou-me que ela é a única que vive a esticar o lençol pela manhã e por todas as vezes que ele fica embolado. Eu não fui capaz de contra argumentar.
Logo fiquei convencido de que a desistência é o caminho mais fácil, mas que desistir nem sempre é o melhor caminho.
Foi quando me lembrei daquelas noites em que eu estava extremamente cansado e incapaz de reagir ao frio nos pés. Me veio à cabeça o prazer que eu tive quando senti que ela havia percebido que eu estava descoberto e feito a delicadeza de me cobrir.
O nosso erro não estava em dormir com um lençol. O nosso erro estava em se preocupar mais consigo próprio do que com o outro. Ao invés de ficar vigilante para quando me faltasse a coberta, deveria ficar atento para quando eu posso cobri-la. E ela o mesmo. Não iremos aumentar a nossa preocupação, apenas mudar o foco com o que se preocupar. Não é tão complicado assim.
Quando sua maior preocupação for a de cobrir a si mesmo, o que você precisa mesmo é redescobrir a gentileza.
UM CAFÉ E A CONTA!
| O maior impedimento para se estabelecer uma relação de parceria é o individualismo.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 23/07/2016, Edição Nº 1417.

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