Arte de Weberson Santiago |
Minha menina completou quinze anos. Não é mais uma criança, não é mais a
minha menina. A mãe dela me fez gastar um dinheirão na festa de quinze anos.
Disse que era um sonho de nossa filha. Dizem que a festa de quinze anos marca
uma passagem: de quando a menina vira mulher.
Eu não quero que ela se torne uma mulher. Eu quero que ela seja sempre a
minha menina. O problema dela não ser mais minha menina começou com o fato de
eu ter deixado de ser o homem mais importante da vida dela. Desde que ela
conheceu aquele branquelo de aparelho, meu reinado ficou abalado. Antes, quando
eu parava o carro na garagem, depois de um dia inteiro de trabalho, ela vinha
me dar um abraço. Nem o dia mais infernal amarrava minha cara o suficiente para
que eu não me derretesse quando ela saia de trás da porta, ou do sofá e corria
para agarrar a minha perna e, com o passar do tempo, a minha cintura.
Agora, ela só pensa nele, só fala no whatsapp com ele e só suspira por
ele. Eu abro a porta e me deparo com a sua ausência. Tudo bem que a Jessie que
me espera abanando o rabo, mas não é a mesma coisa. Se eu vou atrás dela, abro
a porta do quarto – que vive fechada – e ela está lá: no computador ou no
celular falando com aquele Zé Ruela.
Eu finjo que eu não ligo, tendo transparecer indiferença, mas no fundo
queria fazer uma visitinha pro menino e resolver essa história de uma vez por
todas. “Que pena! Morreu engasgado com um chiclete preso no aparelho”, eu diria
calma e friamente. Pelo menos acabaria com aquela cena de todo domingo: ele
comendo lasanha e frango assado sentado na minha frente. Não sabe nem limpar a
boca quando come e quer namorar a minha filha.
Ainda bem que a Natália sabe intermediar a relação. Me convenceu de que
bancar a melhor amiga é ter acesso a intimidade. Eu não posso nem pensar nessa
palavra – in-ti-mi-da-de – sem que seja tomado por uma dor fulminante no meu
peito. Só de pensar na mão daquele moleque-branquelo-babão na perna da minha
princesinha, eu quase tenho um infarto.
Aquela perna era só minha e era tão pequeninha que eu segurava com as
minhas duas mãos – que praticamente davam as voltas nas suas coxas – e a
colocava em meus ombros. E enquanto eu segurava suas pernas por segurança, os
bracinhos dela davam a volta em minha cabeça. E eu lhe apresentava o mundo de
um ponto de vista mais alto, onde ela, sozinha não poderia enxergar.Foto do Arquivo Pessoal |
Como seria bom se o tempo pudesse voltar, se ela pudesse encolher ao
invés de crescer. Aquele cheiro de bebê, que durou até os três anos, foi um dos
melhores cheiros que eu senti em toda a minha vida. E agora tem um banana
pendurado no cangote dela.
Não adianta falar que eu estou exagerando, que eu sabia que mais cedo ou
mais tarde isso ia acontecer. Sim, eu tive alguns medos repentinos de ter de
dividir minha princesa desde que ela tinha sete anos, mas eu pensava e lhe
dizia que só poderia acontecer lá pelos vinte e cinco anos de idade, e não aos
quatorze.
Só quem é pai de menina entende o que eu estou passando. Cheguei ao
máximo da pieguice semana passada, quando terminado o expediente, deixei todo
mundo ir embora e abri um vídeo em que ela cantava pra mim, aos quatro anos,
aquela música gravada pela Adriana Calcanhoto: “Avião sem asa, fogueira sem
brasa, sou eu assim sem você. Futebol sem bola, Piu-piu sem Frajola, sou eu
assim sem você. (...) Tô louca pra te ver chegar, tô louca pra te ter nas mãos.
Deitar no teu abraço, retomar o pedaço que falta no meu coração. Eu não existo
longe de você, e a solidão é o meu pior castigo. Eu conto as horas pra poder te
ver, mas o relógio tá de mal comigo. Por quê? Por quê?”
E chorava um monte, feito uma criança...
Ela virando mulher e eu voltando a ser uma criança que não sabe dividir
o brinquedo.
| Feliz
Dia dos Pais ao pai do bezerrão branquelo. Espero que não fique ofendido
pelos adjetivos que usei para seu filho. Se estivesse no seu lugar, também
daria uns tapas nas costas dele por ele estar ficando com uma garota tão linda
como ela.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 07/08/2015, Edição Nº 1367.
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