sábado, 16 de maio de 2015

O Primeiro e Último Voo do Teodoro

Arte de Augusto Amato Neto


Foi numa fração de segundo. Enquanto a faxineira limpava a sua gaiola, num instante em que uma fresta ficou aberta. Ele fugiu. Eu assisti a cena. Foi tão rápido que não deu tempo de fazer nada. Num segundo ele estava dentro da gaiola, no outro saiu voando sem dar tempo de enxergar pra que lado foi.
Na hora partimos para a casa dos vizinhos para ver se ele estava nalguma árvore do quintal. Nem sinal dele.
Teodoro era nossa calopsita de estimação. Veio para nossa casa ainda filhote, há mais ou menos um ano. Quando eu fui busca-lo no pet shop, o vendedor insistiu em lhe cortar as asas mesmo eu dizendo que não queria. A partir deste dia ele passou a se esquivar e temer o contato com as mãos. Eu gastei um bom tempo tentando dessensibilizá-lo deste medo, mas ainda não tinha conseguido que ele confiasse em mim a ponto de subir em meu dedo. O ponto que eu havia chegado era o de colocar meu dedo em sua cabeça e lhe fazer um cafuné. Ele adorava: andava pra trás e voltava pra ganhar outro afago.
Se a interação não envolvia a mão, fluía melhor ainda. Alguns meses após chegar, Teodoro aprendeu a piar, depois a cantar. Estava treinando-o a assoviar a música do desenho do pica pau. Ele já havia aprendido as três partes separadas da música, mas ainda não conseguia cantá-la inteira. Teodoro morava na lavanderia, do lado de fora da cozinha, de frente a pia e ao fogão.
A primeira coisa que eu faço quando acordo é tomar água. Às cinco horas da manhã, era eu acender a luz e ele começava a assoviar a música (“re-re-re-re-rê”) e eu respondia continuando a música em assovio. E ele repetia este comportamento toda vez que eu passava pela cozinha. Às vezes assoviávamos um pro outro dos extremos da casa.
Trouxe o Teodoro para casa para alegrar nossos dias e ele alegrou muito. Já tínhamos um pássaro, a periquita australiana Yvonne. Ela já é mais velha e mais pacata, mas Teodoro conseguiu alegrar até a vida dela. Ele era cativante. Tão cativante que foi difícil aceitar o seu sumiço.
A Natália quando chegou em casa e ele não estava sentou no degrau da porta da cozinha e destampou a chorar. A Anelise não se conformou:
— Não tem como a gente ensinar a Yvonne a falar pra ver se ela viu pra onde ele foi e nos dar alguma pista? – questionou a pequena.
Durante alguns dias, eu acordava e ia pro quintal. Chegava do trabalho e ia pro quintal. Dava o assovio inicial (“re-re-re-re-rê”) para ver se ele respondia, na esperança que ele estivesse por perto. O silêncio me doía. A Natália resolveu deixar a porta da gaiola aberta, caso ele encontrasse o caminho de volta. E até hoje, nada.
Como é ruim acordar sem ele do lado de fora. Cozinhar aos finais de semana sem ele dependurado de ponta cabeça na gaiola.
Teodoro deu seu primeiro e único voo de liberdade, ganhando o mundo e nos deixando a saudade.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Se não for na minha gaiola, será na de outro alguém, então que seja na minha pra que eu possa cuidar bem.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 16/05/2015, Edição Nº 1355.

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