sábado, 2 de maio de 2015

Imagens do Rio de Janeiro

Foto de Augusto amato Neto


Quando o avião percorre um trecho do litoral e se aproxima do Rio de Janeiro já é possível entender porque aquela paisagem encanta desde o descobrimento do país. Na descida para aterrisagem no Aeroporto Santos Dumont, ao passar ao lado do Cristo Redentor no Corcovado, da Urca e do Pão de Açúcar fica fácil compreender porque aquela cidade inspirou tantos poetas, escritores, músicos. São trezentos e sessenta graus de belezas esculpidas pela natureza.
Quando se conhece o Rio de perto, percebe-se que o Cristo Redentor só olha por metade da cidade e dá as costas à outra metade, como fala o Chico Buarque na letra da música Subúrbio. É uma cidade de contrastes: de um lado o condomínio de luxo, girando levemente o pescoço vê-se a favela. É uma cidade encantadora e incômoda ao mesmo tempo. De um lado da montanha as paisagens são bonitas de onde quer que se esteja. Do outro lado do morro tudo é cinza.
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Andando pelas ruas de diversos bairros do Rio, sentia um cheiro de esgoto ou de ralo que me fazia procurar um bueiro vazando. Não achava. De repente, meu olfato era invadido por um perfume delicioso no meio da multidão. Não sei seu nome, queria perguntar a quem estava usando, mas não tinha como identificar no meio de tanta gente. A estada oscilou entre os dois odores opostos.
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Esperando um ônibus no ponto com a Natália, vi um homem de cinquenta anos segurando na mão de filho de aparentes vinte anos. Nitidamente o garoto tinha desenvolvimento atípico, mas não sei qual transtorno ele tinha. Pararam do nosso lado, enquanto o filho batia com a unha nos dentes incisivos repetidamente. Ele se virou e questionou: - “Pai, a vida é difícil?”. Nesse entremeio o ônibus deles chegou e o pai lhe respondeu “É.” enquanto lhe pegou pela mão e entrou no ônibus.
Noutro dia, almoçávamos na Confeitaria Colombo do Forte de Copacabana quando notei uma família. Os pais de um lado da mesa e o filho, portador de Síndrome de Down, do outro lado acompanhado de sua namorada. Ela tinha a cabeça pequena em relação ao corpo, mas parecia não ter comprometimento cognitivo. A felicidade dos quatro era transbordante. Durante todo o tempo que estive lá, as risadas foram muitas. Os pais tomaram um vinho, enquanto o jovem casal competiu na hora de dividir a sobremesa. Foi a cena de convivência familiar mais leve e bonita que presenciei na minha vida, já que não era um filme ou cena de novela.
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Exatamente metade dos motoristas e cobradores de ônibus, balconistas de restaurantes, supermercados e padarias foram extremamente gentis, cordiais e solícitos em nossos pedidos mais diversos. Riram de quando eu falava o erre caipira ao perguntar ou pedir qualquer coisa, mas se contiveram por educação. A outra metade estava de muito mau humor e fazia questão de deixar claro que estava tomado pela ira. Não costumo ser maltratado pelos insatisfeitos com o trabalho ou com a vida, e fui um bom bocado maltratado no Rio. Como estava a passear, ignorei a grosseria e recorri às imagens boas que haviam passado.
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Conheci a famosa noite boêmia da Lapa. Descemos na Marina da Glória e fomos caminhando até os arcos da lapa. Nos entremeios do bairro, cruzei pontos de prostituição, feiras de objetos usados expostos em tapetes usados, muita pobreza até chegar no casarão antigo transformado em bar. No ar-condicionado, curti o som do cantor e compositor da nova geração do samba Moyseis Marques, acompanhado da Banda Joia Rara. Do meu lado esquerdo um casal de alemães, do lado direito um casal e uma mulher mais velha falavam espanhol. Passávamos frio com o ar condicionado, os gringos já haviam retirado casacos das bolsas quando pedi para diminuírem o ar condicionado. As duas mesas ao lado me agradeceram. Ficaram mais felizes com a minha atitude do que quando viram a caipirinha chegando. Ninguém vai ao Rio para passar frio.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Apesar de todas as agruras, as belezas compensam. Voltaria para ficar o dobro do tempo que passei no Rio.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 02/05/2015, Edição Nº 1353.

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