Foto de Augusto amato Neto |
Quando o avião percorre um trecho do litoral e se aproxima do Rio de
Janeiro já é possível entender porque aquela paisagem encanta desde o
descobrimento do país. Na descida para aterrisagem no Aeroporto Santos Dumont, ao
passar ao lado do Cristo Redentor no Corcovado, da Urca e do Pão de Açúcar fica
fácil compreender porque aquela cidade inspirou tantos poetas, escritores,
músicos. São trezentos e sessenta graus de belezas esculpidas pela natureza.
Quando se conhece o Rio de perto, percebe-se que o Cristo Redentor só
olha por metade da cidade e dá as costas à outra metade, como fala o Chico
Buarque na letra da música Subúrbio. É uma cidade de contrastes: de um lado o
condomínio de luxo, girando levemente o pescoço vê-se a favela. É uma cidade
encantadora e incômoda ao mesmo tempo. De um lado da montanha as paisagens são
bonitas de onde quer que se esteja. Do outro lado do morro tudo é cinza.
ef
Andando pelas ruas de diversos bairros do Rio, sentia um cheiro de
esgoto ou de ralo que me fazia procurar um bueiro vazando. Não achava. De
repente, meu olfato era invadido por um perfume delicioso no meio da multidão.
Não sei seu nome, queria perguntar a quem estava usando, mas não tinha como
identificar no meio de tanta gente. A estada oscilou entre os dois odores
opostos.
ef
Esperando um ônibus no ponto com a Natália, vi um homem de cinquenta
anos segurando na mão de filho de aparentes vinte anos. Nitidamente o garoto
tinha desenvolvimento atípico, mas não sei qual transtorno ele tinha. Pararam do
nosso lado, enquanto o filho batia com a unha nos dentes incisivos
repetidamente. Ele se virou e questionou: - “Pai, a vida é difícil?”. Nesse
entremeio o ônibus deles chegou e o pai lhe respondeu “É.” enquanto lhe pegou
pela mão e entrou no ônibus.
Noutro dia, almoçávamos na Confeitaria Colombo do Forte de Copacabana
quando notei uma família. Os pais de um lado da mesa e o filho, portador de
Síndrome de Down, do outro lado acompanhado de sua namorada. Ela tinha a cabeça
pequena em relação ao corpo, mas parecia não ter comprometimento cognitivo. A
felicidade dos quatro era transbordante. Durante todo o tempo que estive lá, as
risadas foram muitas. Os pais tomaram um vinho, enquanto o jovem casal competiu
na hora de dividir a sobremesa. Foi a cena de convivência familiar mais leve e
bonita que presenciei na minha vida, já que não era um filme ou cena de novela.
ef
Exatamente metade dos motoristas e cobradores de ônibus, balconistas de
restaurantes, supermercados e padarias foram extremamente gentis, cordiais e
solícitos em nossos pedidos mais diversos. Riram de quando eu falava o erre
caipira ao perguntar ou pedir qualquer coisa, mas se contiveram por educação. A
outra metade estava de muito mau humor e fazia questão de deixar claro que
estava tomado pela ira. Não costumo ser maltratado pelos insatisfeitos com o
trabalho ou com a vida, e fui um bom bocado maltratado no Rio. Como estava a
passear, ignorei a grosseria e recorri às imagens boas que haviam passado.
ef
Conheci a famosa noite boêmia da Lapa. Descemos na Marina da Glória e
fomos caminhando até os arcos da lapa. Nos entremeios do bairro, cruzei pontos
de prostituição, feiras de objetos usados expostos em tapetes usados, muita
pobreza até chegar no casarão antigo transformado em bar. No ar-condicionado,
curti o som do cantor e compositor da nova geração do samba Moyseis Marques,
acompanhado da Banda Joia Rara. Do meu lado esquerdo um casal de alemães, do
lado direito um casal e uma mulher mais velha falavam espanhol. Passávamos frio
com o ar condicionado, os gringos já haviam retirado casacos das bolsas quando
pedi para diminuírem o ar condicionado. As duas mesas ao lado me agradeceram. Ficaram
mais felizes com a minha atitude do que quando viram a caipirinha chegando. Ninguém
vai ao Rio para passar frio.
| Apesar de todas as agruras, as belezas compensam.
Voltaria para ficar o dobro do tempo que passei no Rio.
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