sábado, 21 de fevereiro de 2015

Vida de Jardineiro

Arte de Weberson Santiago


Admiro a pessoa que foi capaz de criar e é capaz de cultivar um belo jardim.
A primeira casa que eu aluguei na vida tinha um canteiro que percorria a fachada da casa e terminava na rampa da garagem. Naquele retângulo havia uma árvore conhecida como murta. Bem no ponto onde o tronco se dividia em galhos havia uma farta ramagem de orquídeas. Não conheci o casal de velhos que morou ali, mas sentia uma profunda admiração por quem plantou aquelas orquídeas. Ela havia se adaptado à sombra farta da murta e ao calor que fazia ali durante as tardes de verão. A senhora – imagino eu que tenha sido ela – teve a sensibilidade de colocá-la ali, onde ela cresceu e tomou conta de todo o entorno da árvore. O privilegiado fui eu e quem passava do lado de fora da grade durante o mês de setembro, quando as flores brancas de miolo arroxeado surgiam.
Admiro os cultivadores de plantas da mesma forma que eu admiro pessoas que fizeram uma bela carreira. Que saíram do nada e chegaram muito longe: que plantaram a semente e não deixaram de regar por um dia sequer.
Admiro o jardineiro tanto quanto aquele que sempre trabalhou com a mesma coisa e no mesmo lugar, mas que nunca deixou o sorriso de lado. Este eu admiro por não se importar em ser apenas uma planta em meio a um jardim botânico imenso.
Admiro os cultivadores de plantas como admiro aqueles que construíram uma bela família. Unida nos bons e nos maus momentos, nas estações abundantes e nas escassas. Singular em sua formação, como uma árvore que não se importa que o fruto caia longe do pé. Espontânea em seu jeito de ser como um punhado de árvores cujos galhos crescem desordenadamente.
Admiro os escultores de jardim como admiro os autores de um belo texto. Escritores de seja-qual-for-o-gênero que se dedicam à arte de fazer florescer a consciência com as raízes fincadas na língua. Por se debruçar sobre uma folha em branco, produto de uma árvore morta, e transformar suas ideias em palavras que incentivam alguém a plantar uma muda.
Admiro os jardineiros por serem frios na hora de fazer uma poda drástica e, ao mesmo tempo, sensíveis quando respeitam a vontade da planta e a trocam de lugar para que ela viva melhor.
Admiro os hortelões por não esmorecerem diante da dependência da rega. Por não usar os trancos da vida como desculpas para deixar que a planta morra seca. Por manter o ritual de benzer com água independentemente do seu próprio estado emocional.
Admiro os jardineiros porque são eles que dão o “minha casa, minha vida” aos insetos, pássaros e outros animais. Porque são eles que dão o “bolsa-família” para as abelhas e formigas.
Admiro o plantador porque ele não hesita em presentear um interessado com uma muda. E isto faz dele um multiplicador de vidas.
Admiro o cultivador de plantas porque ele aprende a lidar com o nascimento e com a morte e apreende, na relação com a planta, que a vida não tem fim.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Admiro o jardineiro porque ele escolhe sujar a sua mão com a terra ao invés de sujá-la com o sangue ou com o dinheiro sujo.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 21/02/2015, Edição Nº 1345.

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