Arte de Weberson Santiago |
Se apaixonar é o como uma tentativa de contrariar a lei da física que
diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Queremos fazer
tudo juntos, ficar o tempo todo grudados.
Busca-se a cumplicidade nas tarefas mais simples. Se pudermos, comemos
juntos, tomamos banho juntos, acordamos e dormimos juntos, escovamos os dentes
juntos.
Quando comecei a namorar a Natália, em minha casa tinha apenas uma cama
de solteiro. Era o suficiente para que passássemos o fim de semana. Ignorávamos
a impossibilidade de se mexer durante a noite. Não sentíamos as dores no corpo
no dia seguinte. O que nos interessava era ficar perto um do outro.
E nunca achávamos que era o suficiente. A rotina de trabalho só permitia
algumas horas aos finais de semana, geralmente do sábado à tarde ao fim do
domingo. Durante a semana, eram apenas encontros rápidos. Nem quando ela tirava
férias e praticamente morava comigo durante um mês era o bastante para matar a
vontade.
Por isso resolvemos morar juntos. Sentíamos a necessidade de seguir
adiante, dar um passo a mais na relação. A urgência do amor sempre foi maior do
que os nossos medos. Eles estavam lá, em cada passo da nossa relação, mas
ficavam pequenos quando decidíamos fazer a relação evoluir.
Assim que passamos a dividir o mesmo teto e a mesma cama, as manias
entraram em conflito. Naquele começo da relação, com toda aquela vontade, as
manias passam desapercebidas. Já no casamento, as manias respeitam a lei da
física: duas manias não podem ocupar o mesmo lugar no espaço de uma casa.
Foi quando percebemos que aquela intensidade do namoro não poderia ser
mantida, senão a relação se tornaria sufocante. Se continuássemos a querer
fazer tudo juntos, acabaríamos tentando fazer o outro ser como a gente mesmo.
Foi preciso ceder, respeitando o jeito de ser, a maneira de fazer. Ora um, ora
o outro.
Combinamos que uma vez por semana cada um tem o direito de fazer uma
coisa que lhe dá prazer e que não envolva o parceiro. Ela vai no salão se cuidar
ou sai com as amigas. Eu vou ao clube praticar uma atividade física ou
encontrar um comparsa pra jogar conversa fora.
E mesmo que não consigamos marcar no mesmo dia, aprendemos a aguentar
ficar sem o outro neste dia de compromisso externo. Um exercício de liberdade,
sem inveja e sem retaliação.
Nós acreditamos que, para o casamento funcionar, é preciso haver uma
abertura para que cada um tenha ocupações que nos façam bem fora de casa para
que o retorno e a possibilidade de estar em família sejam devidamente
valorizados.
Com a vida de casados pusemos fim na distância. Aí percebermos que sem a
distância não há saudade. Descobrimos a necessidade de preservar a
individualidade para valorizar o reencontro.
| Quem não dá liberdade sufoca. Quem
se sente sufocado se afasta.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, p. 4, 07/06/2014, Edição Nº 1307.
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