sábado, 7 de junho de 2014

A Individualidade no Relacionamento

Arte de Weberson Santiago


Se apaixonar é o como uma tentativa de contrariar a lei da física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Queremos fazer tudo juntos, ficar o tempo todo grudados.
Busca-se a cumplicidade nas tarefas mais simples. Se pudermos, comemos juntos, tomamos banho juntos, acordamos e dormimos juntos, escovamos os dentes juntos.
Quando comecei a namorar a Natália, em minha casa tinha apenas uma cama de solteiro. Era o suficiente para que passássemos o fim de semana. Ignorávamos a impossibilidade de se mexer durante a noite. Não sentíamos as dores no corpo no dia seguinte. O que nos interessava era ficar perto um do outro.
E nunca achávamos que era o suficiente. A rotina de trabalho só permitia algumas horas aos finais de semana, geralmente do sábado à tarde ao fim do domingo. Durante a semana, eram apenas encontros rápidos. Nem quando ela tirava férias e praticamente morava comigo durante um mês era o bastante para matar a vontade.
Por isso resolvemos morar juntos. Sentíamos a necessidade de seguir adiante, dar um passo a mais na relação. A urgência do amor sempre foi maior do que os nossos medos. Eles estavam lá, em cada passo da nossa relação, mas ficavam pequenos quando decidíamos fazer a relação evoluir.
Assim que passamos a dividir o mesmo teto e a mesma cama, as manias entraram em conflito. Naquele começo da relação, com toda aquela vontade, as manias passam desapercebidas. Já no casamento, as manias respeitam a lei da física: duas manias não podem ocupar o mesmo lugar no espaço de uma casa.
Foi quando percebemos que aquela intensidade do namoro não poderia ser mantida, senão a relação se tornaria sufocante. Se continuássemos a querer fazer tudo juntos, acabaríamos tentando fazer o outro ser como a gente mesmo. Foi preciso ceder, respeitando o jeito de ser, a maneira de fazer. Ora um, ora o outro.
Combinamos que uma vez por semana cada um tem o direito de fazer uma coisa que lhe dá prazer e que não envolva o parceiro. Ela vai no salão se cuidar ou sai com as amigas. Eu vou ao clube praticar uma atividade física ou encontrar um comparsa pra jogar conversa fora.
E mesmo que não consigamos marcar no mesmo dia, aprendemos a aguentar ficar sem o outro neste dia de compromisso externo. Um exercício de liberdade, sem inveja e sem retaliação.
Nós acreditamos que, para o casamento funcionar, é preciso haver uma abertura para que cada um tenha ocupações que nos façam bem fora de casa para que o retorno e a possibilidade de estar em família sejam devidamente valorizados.
Com a vida de casados pusemos fim na distância. Aí percebermos que sem a distância não há saudade. Descobrimos a necessidade de preservar a individualidade para valorizar o reencontro.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Quem não dá liberdade sufoca. Quem se sente sufocado se afasta.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, p. 4, 07/06/2014, Edição Nº 1307.

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