sábado, 26 de abril de 2014

Ombros, Corcundas e Bengalas

Arte de Weberson Santiago



O ombro é o parapeito do nosso tronco. Nele podemos colocar um vaso de plantas, um papagaio, a cueca pra secar, um lenço ou cachecol e até um monte de problemas. É, nem só de graça vive o ombro. A desgraça também pode repousar sobre eles.
No relacionamento interpessoal, fica difícil quando o vizinho não percebe, na divisão dos muros dos ombros, onde termina a propriedade dele e começa a minha, como se os ombros fossem colados. Então, percebo que os fardos dos outros estão no meu parapeito, e o pior, que os carrego há certo tempo. Tem gente que é especialista em vomitar seus problemas e despejar a carga nos ombros alheios.
Se tem algo que eu respeito nos ombros dos outros, esse algo é a corcunda. A corcunda é uma configuração de ombro distorcida chamada pelos médicos de cifose. Em primeiro lugar, meu respeito se dá por observar que ela é fruto da experiência de vida. Em segundo lugar, porque ao contrário da barriga, a corcunda não impede.
Hoje vi uma senhora de corcunda carregando compras a passos largos, com um semblante feliz. Em outros tempos de caminhada, cruzava diariamente com um casal de velhos com corcovas arqueadas e que cumpriam o trajeto religiosamente. Um barrigudo não mantem tal disciplina.
A corcunda é uma deformação inteligente do corpo que acompanha o movimento da vida desde a juventude até a velhice.
Quando jovens, passamos boa parte do tempo sonhando, olhando para as nuvens, fantasiando o futuro. Com o amadurecimento, somos obrigados a deixar uma parte dos sonhos de lado para conseguir concretizar um ou alguns deles. Então, somos obrigados a abaixar o olhar e mirar o horizonte, numa visão mais realista. Porém, doses de realidade trazem consigo responsabilidades que sobrecarregam e dificuldades que pesam nos ombros.
Correndo atrás das metas que vislumbramos no horizonte, atropelamos as coisas e as pessoas com nosso excesso de expectativa, ficamos afobados porque o tempo das realizações é diferente do tempo que estamos dispostos a esperar. Com os fardos que abraçamos em nossos caminhos e decidimos carregar, mais as cargas que depositamos nas costas sobre os ombros, o nosso corpo esculpe a corcunda para tentar dar suporte às nossas experiências.
Na velhice, a corcunda obriga a olhar para o chão, para as sutilezas do caminho que os jovens deixam passar batido. Aí está a beleza: construímos nossas corcundas correndo atrás do futuro e preocupados com o que fizemos no passado e o nosso corpo nos obriga, com a idade, a olhar mais para o presente.
Por isso o velho é sábio: pondera o que fala na medida do que o jovem é capaz de aproveitar com seu nível de maturidade, não se deixa abalar como fazia na juventude, dá a importância exata que as coisas merecem, pois o tempo que tem pela frente é precioso demais para ser dispensado em detalhes irrelevantes. A corcunda ensina a não sofrer com qualquer coisa e a aproveitar mais o que a vida oferece aqui e agora.
Por isso, quando eu ficar velho, faço questão de ter uma corcunda. Se não for pedir muito, gostaria também de ter uma bengala e um bom par de suspensórios. Explico. O cajado é para dar suporte às pernas. Já terão andando muito por aí e sustentado o tronco por muito tempo, e de repente também para dar bengaladas quando for necessário apressar ou corrigir alguém, mas os músculos não tiverem mais o vigor suficiente. O par de suspensórios é por precaução. Se as calças caírem, demorarei muito para levantá-las. Não se mantem a dignidade com a bunda exposta.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Quando ficar velho usarei minha corcunda como prateleira.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 03/05/2014, Edição Nº 1302.



Um comentário:

Anônimo disse...

pretty nice blog, following :)