sábado, 22 de junho de 2013

A Gula e A Quermesse

Arte de Weberson Santiago



Se Deus me desse a liberdade de retirar um pecado capital da lista, certamente escolheria a gula. Existem tantos pecados desumanos que poderiam entrar no lugar da gula. Uma atenciosa revisão consideraria que, não imperando a escassez de alimento, pudéssemos deixar de cometer um pecado ao exagerar na comida.

Não venho em defesa de causa própria, mas pela razão de muitos cristãos. Outro dia, saindo da missa pela lateral da igreja, dei de cara com a quermesse. Cada quadrado produzia e entregava um alimento delicioso. Há como resistir a todas aquelas iguarias ou como atender somente a necessidade do corpo ao se alimentar?

As cozinheiras de mão cheia são aquelas mães e avós que colecionam receitas desde a adolescência. Mulheres que são capazes de fazer comida pra duas ou duzentas pessoas, sem errar a mão no tempero. Eu não sou capaz de me conter. Me comporto como um cliente internado em um spa que é solto numa fábrica de chocolate.

Hoje a quermesse é uma praça de alimentação. É preciso circular uma vez por todos os balcões para ter certeza do que comprar. Tomo uma sopa e como um bauru ou peço um pastel e um espetinho? Aquela porção de frango à passarinho tá com uma cara boa... Tem o yakissoba também. E a panqueca, então? Carne, frango ou presunto e queijo. Vem com pão francês fatiado pra passar no molho.

E eu ainda não entrei na parte dos doces. Doces cristalizados, bolo de tudo que é sabor, com e sem recheio, rocambole, pudim, chocolate quente, brigadeiro gigante.

E tem o quentão pra quem é chegado num mé. Se mirar uma senhorinha de bochechas vermelhas não é o frio cortante, é o quentão fazendo efeito.

Pense comigo. É muita tentação. Na quermesse a gula é inevitável. Quem diz que frequenta a quermesse para ajudar a igreja é um duplo pecador. A mentira também é pecado.

Como meu passado me condena, tive uma recaída na comilança. Começou a quermesse, melhorou minha frequência na missa. Teve fim de semana que assisti a do sábado e a do domingo. Na saída, experimentava outro quitute. Para não ficar manjado como arroz doce de festa junina numa quermesse só, passei a variar de paróquia. Percorri toda a cidade e criei uma escala com as melhores sopas de cebola.

Comecei a avaliar as comidas e a postar no facebook uma nota e um comentário sobre o prato. Quando percebi, estava fazendo campanha viral para contribuir com o público da festa. Fiz propaganda do pecado, promovendo a esbórnia, e agora quero consertar tirando o pecado da lista. Não adianta, não tenho esse poder.

Ainda bem que entre uma quermesse e outra tem um ano inteiro para cumprir a minha penitência.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Quem muito come não chega a experimentar a fome.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p.4, 22/06/2013, Edição Nº 1257. 

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