Arte de Weberson Santiago |
Todo
dilema é seguido por uma justificativa. “E se...” tem como sequência um “É
que...”.
E se eu
tivesse nascido em outra família?
É que me
incomodo com a minha história de vida. Não aceito os meus pais, meus irmãos me
irritam. Queria ter tido outros modelos, outros exemplos. Talvez assim não
tivesse as dificuldades que me perseguem, nem as falhas que me pego repetindo e
que aprendi com eles. Penso que as coisas poderiam ter sido diferentes se eu
não tivesse nascido nessa família.
E se eu tivesse
feito outra faculdade?
É que eu
tenho tido tantas dificuldades para me colocar no mercado de trabalho. Se eu
tivesse optado por outro curso, talvez o meu salário fosse melhor. Quando me
comparo com outros profissionais, parece que para mim as coisas são mais
difíceis.
E se eu
tivesse aberto um negócio ao invés de ser empregado?
É que
estou canelando muito nesse meu emprego. Se eu tivesse meu próprio negócio,
trabalharia para o que é meu e poderia ter ganho mais dinheiro. Ou talvez
estivesse endividado.
E se eu
tivesse comprado um carro ao invés de uma moto?
É que se
eu tivesse um carro, não teria tomado chuva de manhã e nem na hora do almoço.
Gastaria mais gasolina e ainda estaria pagando o financiamento, mas chegaria
seco no serviço.
E se eu
tivesse aprendido a dizer não? A falar o que eu penso?
É que
desta forma eu poderia me sentir respeitado. Mas é provável que eu tivesse agredido
demais meus familiares e eles tivessem se afastado. Estaria desempregado se me
negasse no trabalho como queria poder discordar.
E se eu
não tivesse casado e tido filhos?
É que
assim eu teria viajado, conhecido mais parceiros antes de me prender. Teria
mais dinheiro para gastar e ter prazer.
O “E
se...” é uma ilusão que nasce morta. Ninguém garante que qualquer uma dessas
coisas teria acontecido se a escolha tivesse sido a outra. “E se...” é uma
forma de justificar a impotência e a impossibilidade de fuga, uma estratégia
para enganar a si mesmo e se esquivar das responsabilidades da situação atual.
O
passado é como um tanque de água que represa todas as nossas experiências. As
novidades que nos fazem felizes são como a chuva. A chuva cai em diferentes
intensidades, quando cai. De vez em quando se retira e dá lugar a estiagem. A
felicidade é mais ocasional do que gostaríamos. E quando ela cai, logo se
mistura às águas passadas. A novidade se dilui rapidamente e passa a ser parte
da rotina.
O
problema é que passamos boa parte do tempo tentando baldear o passado com uma
caneca de dilemas (E se...) e uma concha de justificativas (É que...), na
esperança de que, tendo esvaziado uma boa parte do tanque, uma grande
quantidade de novidade venha a cair do céu.
Ledo
engano. Doce ilusão. O negócio é desfazer a miragem e aceitar a sua origem, o
percurso da sua vida, o trabalho e o meio de transporte disponível, os sapos engolidos
e aprender a lidar com a família que constituiu.
É mais
fácil se perder entre dilemas e justificativas do que partir para a ação diante
das coisas do jeito que são (ou estão).
|Em vez de tentar eliminar o passado, agarre-o. É a sua história.
Abrace-o como irreversível que é e estará pronto para as novidades.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 3, 09/04/2013, Edição Nº 1247.
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