Arte de Weberson Santiago |
Se meu espelho falasse, não aceitaria apenas assistir ao
entra e sai todos os dias.
Se meu espelho falasse, conversaria comigo durante todo o
tempo que passo no banheiro. Iria querer saber exatamente o que eu faço durante
o período que estou fora de casa. Tentaria entender porque eu saio renovado da
ducha e volto cansado, precisando de um bom banho.
Se o espelho falasse, mostraria o quanto eu estou diferente a
cada dia. Provaria que, seguindo o mesmo ritual todas as manhãs, o resultado
nunca é o mesmo. E insistiria até me mostrar que o resultado é diferente de
como eu imagino que estou.
Se meu espelho falasse perguntaria por que, logo depois de
acordar, fico alguns minutos olhando para meu reflexo. Questionaria se eu
demoro a me reconhecer ou se estou dormindo de olhos abertos.
Se meu espelho falasse, pediria para que eu tentasse mais uma
vez. Me aconselharia a diminuir o tempo que eu passo tentando entender tudo o
que acontece. Tudo, tanto, o tempo todo. Apenas tente mais um vez, diria ele.
Se meu espelho falasse, alguns dias meu reflexo pediria para
que eu saísse da sua frente. Sai da frente que eu quero ficar aqui, já que não
posso passar. Cansei de você. Cansei do quanto você se habituou a me ver sem me
olhar. Será que percebe como o tempo passou? Ele questionaria.
Se meu espelho falasse, jogaria na minha cara que não é
possível dormir com medo e acordar de cara com a coragem. Que quando eu escovo
preocupado os dentes pra dormir, é impossível escovar despreocupado os dentes
pela manhã. Escancararia que nenhum problema se resolve por si só, depende de
esforço.
Se meu espelho falasse, daria gargalhadas comigo. Choraria no
meu ombro amigo. E tentaria me convencer a pensar apenas no meu umbigo.
Se o espelho falasse, pediria que eu diminuísse as
comparações. Deixe de olhar para o que os outros são e preste mais atenção no
que você é, falaria ele. Esqueça o que os outros têm e pense apenas em como
você vai fazer para conquistar.
Se meu espelho falasse, um dia ficaria rouco. Perderia a voz
e emudeceria de vez em quando. Por vezes ficaria de queixo caído.
E quando ele parasse de falar comigo, me deixaria pensando,
até que eu concluísse:
Quando olhamos no espelho, não buscamos encontrar um estado
excelente de aparência. Estamos tentando evitar qualquer detalhe estranho que
prejudique nossa aceitação.
| Se meu espelho falasse não seria mais o meu reflexo, seria o
oposto de mim mesmo a me completar.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 4, 16/03/2013, Edição Nº 1243.
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