Arte de Augusto Amato Neto |
Gustavo,
42 anos, é gerente administrativo de uma empresa. Casado com Tatiana, 39, há 18
anos. O casal tem dois filhos. Luciana, de 15 anos, e Vítor, de 6.
Há dois
anos, Gustavo chegou em casa após o expediente de trabalho carregando uma
caixa. Curiosa, Tatiana questionou o conteúdo. “Comprei um chapéu Panamá, igual
ao do Tom Jobim”, disse. Ela gostou da novidade, sempre achou um charme homem
de chapéu.
Na
semana seguinte, Gustavo trouxe para casa uma sacola. Tatiana encontrou-a na
sala quando chegava com os filhos. Entreabriu a boca do saco plástico e
encontrou outro chapéu, diferente do primeiro. Achou estranho o marido
repetindo a compra sem sequer ter usado o outro. Gustavo costumava levar a
esposa quando saia para comprar roupas e consultava sua opinião a cada troca no
provador. Ficou encafifada com a independência repentina, mas acabou esquecendo
a atitude incomum do marido.
Passados
dez dias, a família toda passeava num shopping. Passando em frente a uma
vitrine, Gustavo avisou que iria entrar na loja. Foi direto à prateleira de
chapéus e começou a analisar os modelos. Escolheu um exemplar de estampa xadrez
pequena, sóbrio. Tatiana ficou sem graça de questionar a compra na frente das
vendedoras e dos clientes. Saindo da loja, ela não se conteve:
— Guto,
que mania é essa agora de ficar comprando chapéus? Já levou três para casa!
— Não
posso mais comprar o que eu quero? – retrucou.
— Só não
estou entendendo o motivo da coleção. Você compra o chapéu mas não o usa.
Semana passada, fomos no churrasco na casa do Arthur e você não usou o chapéu.
No dia seguinte, fomos ao clube e você também não usou.
Ele se calou,
não apresentou um motivo sequer. Não justificou as aquisições. As compras
continuaram a se repetir. Em um ano, Gustavo juntou dezoito chapéus. Tatiana
questionou cada uma das compras. E ele sempre devolveu respostas evasivas.
Ficou preocupada, chegou a pensar que o marido estava ficando doido. Consultou
um psiquiatra para investigar a possibilidade de Gustavo estar com TOC,
Transtorno Obsessivo-Compulsivo, mas ele não se enquadrava no transtorno, já
que sua mania se resumia a colecionar chapéus sem usá-los, sem prejuízo algum nas
demais atividades.
No fim da
tarde de uma quarta-feira, Gustavo e Tatiana receberam uma ligação dos pais de
Tatiana pedindo que eles fossem até lá para uma conversa urgente. Preocupados,
deixaram o que faziam em casa e foram ao encontro do casal. Sebastião, o pai de
Tatiana, descobriu naquele dia que estava com câncer de próstata. Seria operado
ainda naquela semana e depois passaria por sessões de quimioterapia.
Após a
cirurgia, quando Sebastião havia tido alta para o quarto, Gustavo e Tatiana se
dirigiram ao hospital para uma visita. Foi quando Gustavo desceu do carro,
abriu o porta-malas e retirou uma caixa.
— O que
é isso, Guto? – questionou surpresa.
— Você
vai ver.
Entraram
no hospital e foram em direção ao quarto onde Sebastião se recuperava. Entregou
a caixa ao sogro. Era o primeiro chapéu que Gustavo havia comprado, entregue
para que ele usasse quando o seu cabelo caísse após a quimioterapia.
Ao
assistir a cena, Tatiana suspeitou entender, ainda que vagamente, o motivo da
coleção. Saindo de lá, Gustavo lhe explicou que a palavra câncer era proibida
na casa de seus pais. Quando a doença foi descoberta e divulgada, os motivos do
seu aparecimento eram pouco claros. Evitar falar o nome da doença, naquela
época, era tentar que ela passasse longe dos entes queridos. Ouvia seus pais se
referindo ao câncer como “aquilo” ou “a coisa”.
Gustavo
percebeu que deixar de falar não evitava um câncer ao observar a perda de
alguns amigos e colegas. Passou a se preocupar com a doença e se deparou com sua
origem silenciosa e imprevisível. Não conseguia falar sobre o assunto com a
esposa, tão forte era a regra que vigorou na sua infância. Foi aí que decidiu
colecionar chapéus. Se ele viesse a descobrir uma neoplasia em seu corpo,
quando enfrentasse o tratamento, queria ter uma coleção de chapéus para usar a
cada dia, uma tentativa de manter viva a esperança.
Se fosse
agraciado de não passar por um câncer, entregaria os chapéus para os que
tivessem de enfrentar a doença. Não escolheria o doente, poderiam ser pessoas
que ama ou até um desconhecido que cruzasse seus caminhos e ele soubesse que
lutava pela vida.
A partir
do dia que descobriu isso, Tatiana começou a colecionar lenços sem usá-los.
Passaram, os dois, a proteger a cabeça e a fazer um carinho no cocuruto dos
bravos que enfrentam um câncer.
| O melhor analgésico é se sentir cuidado.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 02/03/2013, Edição Nº 1241.
3 comentários:
Eu, particularmente, coleciono muitos chapéus.
Augusto e sua facilidade de me deixar com os olhos marejados.
Boa noite. Tenho um. Chapeu que estqva em minha familia a muitos anos sem uso algum. Um modelo rarissimo da cury em pelo de lebre como hj trabalho em uma loja virtual de chapeu estou tentando vende-lo. Ele esta na loja www.zedochapeu.com.br se interessar estamos a disposicao para negociar.
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