domingo, 19 de junho de 2011

Lugares Fixos

Arte de Weberson Santiago


Estou encafifado com a nossa encanação com os lugares. O gosto persistente pelo mesmo espaço.

Observo este apego com o lugar que ocupamos em sala de aula. Mesmo quando as carteiras deixam de serem escolhidas pela professora, as pessoas costumam se sentar sempre no mesmo posto. E aquele lugar vira cativo. Motivo de briga caso alguém se antecipe e venha a ocupa-lo.

A briga pelos lugares aparece durante o trajeto entre rodoviárias nos diversos pontos de parada até chegar ao destino. Quem sai do primeiro ponto tem a vantagem de escolher entre todas as possibilidades de assento. Em tempos em que os bancos são marcados na passagem, sempre sai um conflito na parada quando o passageiro que entra pergunta "Este é mesmo o seu lugar?" como quem pede licença.

Cada parada é uma dança de cadeiras, com quem entrou antes deixando o lugar escolhido para o que comprou o lugar possa tomar posse de seu direito de sentar.

Quando estudava em São Paulo minha sina era o busão em cinco horas de trajeto. Quando ia comprar a passagem na rodoviária, minha avó materna dizia que o melhor lugar para viajar é no meio, pois se o ônibus colidisse em um acidente, a maior probabilidade de danos era nas extremidades do veículo.

Eu ignorava o conselho e optava pelos últimos lugares do fundo. Acidente, para mim, era quando na escolha cega da marcação da passagem sentava próximo a uma criança birrenta ou de alguém que insistia em falar durante todo o percurso. Queria o sossego do silêncio e a possibilidade do cochilo ou da leitura. Não sou do grupo que tem problemas em percorrer as páginas enquanto estou em movimento na estrada.

Não concorro com o janelinha, aquele que precipita a necessidade da viagem para escolher o lugar com a melhor a imagem do caminho passando rapidamente. Prefiro a liberdade de ir ao banheiro sem pedir licença e a de pegar alguma coisa no bagageiro de mão sem estorvar quem está ao lado.

Somos fiéis aos lugares que ocupamos no casamento. Pelo menos no lado da cama. Este é definido de cara, negociado nas primeiras noites dormidas. Recentemente, a Natália teve uma infecção e precisou manter um cateter no braço para uma semana de injeções. Vivia com medo de perder a veia e ter que ser perfurada de novo. Acontece que o famigerado cateter ficava no braço que nos separava na cama. E conforme ela chegava perto, eu me afastava com medo de ser responsável pela perda da veia. Todo o meu cuidado com o braço custou certo afastamento e no dia seguinte troquei de lado na cama até que o tratamento acabou. Tirado o cateter, voltei ao posto inicial.

De repente, o espaço ocupado perde o sentido e precisamos mudar. É quando nos deparamos com o apego ao lugar, resultado da inclinação a ver as coisas do mesmo ângulo. Uma tentativa de tornar constante o mundo ao nosso redor, fixando o lugar do qual vemos o mundo. Mas se o mundo ao nosso redor muda, devemos procurar um novo lugar no mundo. Um novo ponto de vista. Uma nova perspectiva.


UM CAFÉ E A CONTA!

| As perspectivas e as dificuldades são como o sol e a lua, se alternam e desenham no céu o sentido da vida.


Publicado no Jornal Democrata

Caderno Cultura, p. 3, 18/06/2011, Edição N° 1152.

Um comentário:

Aneline disse...

Dei risada ao ler este texto.
Quantas vezes já presenciei alguma desavença por causa de lugares no ônibus e na sala de aula. rs
Mas que bom que estamos sempre aptos a mudança, quando esta se faz necessária!