quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Lavagem das Poltronas

Arte de Weberson Santiago


Quando na chuva cai a água que subiu, as tardes quentes de verão ficam mais acolhedoras. No burburinho dos gotejos. Na precipitação do choro. Nas águas que refrescam e reconstroem caminhos, me pego pensando sobre os recomeços. Essa nossa insistência em por fim e começar de novo. É assim no ano novo. É assim na volta às aulas. É assim no aniversário. É assim no bom dia.

Precisamos do ritual, de um método e de um procedimento. E depois, lá estamos nós, novos e prontos para o que der e vier. Revigorados pelo cumprimento de uma etapa. Precisamos dessa sensação de conclusão que gera satisfação. E na maioria das vezes não basta sentir, é preciso contar, mostrar, afirmar, concluir, ser visto e reconhecido. A montanha russa que segue o trilho das expectativas e que em alguns momentos desafia a gravidade dos sentimentos.

Todo começo de ano tenho a minha cerimônia de lavagem das poltronas do consultório. Trata-se de uma necessidade. Poltronas claras sujam com o uso frequente. Elas me acompanham há meia década e já ocuparam três salas diferentes neste tempo. E com a desculpa da necessidade fiz os testes com o aparelho de vapor, depois tentei a lavagem a seco, passando para o limpa-carpete e uma experiência frustrada. No supermercado, me deparei com um spray de espuma que prometia fazer milagres. Eu desconfiei da promessa, mas ignorei o sentimento. Segui as instruções e ganhei poltronas malhadas com manchas esquisitas. Saí às pressas atrás de outro produto e reverti o resultado.

Esse ritual de lavagem é como varrer cedo a calçada para fazer carinho nos pés de quem vai passar por lá durante o dia. Faz agrado aos olhos, mas sua função é mais do que isso. É a preparação para receber novas pessoas, com novas histórias. É me desfazer de resquícios de todos os atendimentos do ano passado. Uma desfragmentação de minha memória de terapeuta. Uma oportunidade de reorganizar a minha bliblioteca e acomodar os livros recém-chegados.

Quando me vejo, estou cheio de esperança. Esperando novas experiências, esperando as novidades do dia a dia. Esperando dar continuidade a minhas construções em empreitadas árduas, mas consentidas. Jornadas que escolhi encarar, desafios que sou capaz de enfrentar. O medo é só o medo. A quantidade suficiente de medo é o que nos faz saber preservar a própria vida. A rotina é feita para quem tem coragem.

Olhando para os sentimentos e a chuva que cai, compreendo a minha relutância em fechar as janelas. Gosto da brisa que sopra no meu rosto e me dá sensação de liberdade, que depois se torna vendaval, bagunça os cabelos e leva as folhas. De repente tudo para. Cessa a chuva e fica a emoção.


Um comentário:

Fernanda Gomes Luz Braga disse...

Primo, sua mãe me indicou o blog, não sabia e adorei !!! Sou sua fã !!! beijos com mtoooooo carinho, Fer