terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Resoluções de ano novo disfarçam dívidas do ano velho.

Arte de Weberson Santiago

Para mim não existem promessas de ano novo. Resoluções de ano novo disfarçam dívidas do ano velho. Pendências com sua tendência a renovação na procrastinação. Tropeço no dia trinta e um e caio no dia primeiro como quem ignora o fim do domingo e se encontra na segunda feira.

Decisão de dia novo funciona melhor. Em primeiro lugar, as tarefas do dia. Em segundo lugar, as pendências esperando por disponibilidade. Cumprindo as primeiras e aproveitando as lacunas para resolver as segundas. E talvez assim seja possível mudar a rotina, o hábito, o comportamento repetitivo.

Há dois anos, num desses primeiros dias do ano ouvi de uma amiga de trabalho em tom de boa notícia:

- Fiz sua indicação para ser jurado no fórum da cidade.

Não sabia qual resposta devia dar a ela. Ganha-se para isso? - pensei. Já havia me esquecido da indicação quando a primeira intimação chegou. O tom de ameaça para os casos de ausência me assustou e no dia e hora marcados estava eu lá. Gaba-se quem está na posição de julgar, emitir parecer, avaliar, conceituar. Mas descobri que não há nada de glamouroso na função do jurado.

Passa-se o dia no Tribunal do Juri, proibido de se comunicar, diante de juiz, promotor, advogados de defesa, entre outros. Assistindo depoimentos e inquirições para todos os envolvidos. Muitas vezes as responsabilidades são óbvias, mas nem todos os detalhes são claros. O jurado se sente passivo diante do crime em julgamento e suas penas definidas no código.

Depois de muitas intimações e participações, não houve uma única vez em que, diante da dúvida, ficasse num impasse a favor do réu ou da sociedade (in dubio pro reo ou in dubio pro societate). Mas não foi o réu que me chamou a atenção na última participação, e sim o almoço do promotor.

Já que se passa o dia todo por lá, tem-se o direito ao almoço, servido dentro do tribunal. O juiz não costuma almoçar com os demais, não me perguntem o motivo. O promotor, jovem aparentemente sério e centrado, foi o último a se sentar. A maioria dos sete jurados já havia acabado o almoço.

Pegou o prato e encheu de salada. O advogado de defesa, tendo devorado a sua montanha de comida, fez questão de comentar. Ele se defendeu dizendo que o calor o impedia de comer muito. Uma forma de dizer que queria evitar aquela moleza após a refeição, chamada de repouso pós prandial.

Na volta do almoço, ao advogado de defesa foi concedido noventa minutos, inteiramente utilizados. O promotor fazia anotações durante toda a fala. Até que a defesa deixou escapar um “quem não se deixa levar por um momento de nervosismo? Afinal, quem está bebendo em um bar, boa gente não é. Será que ele não merece outra chance?”. Foi interrompido pelo promotor, inconformado com a argumentação. O réu não matou pois a arma falhou diante do peito do cara. Bate-boca na frente do juiz.

Foi quando o tempo dele acabou e a palavra passou ao promotor que o almoço leve mostrou-se eficaz. Com o papel de anotações na mão, foi rebatendo tese a tese da defesa. Trocas de farpas mostraram o que o promotor não engolia. Réplica, tréplica e réplica da tréplica depois, a indigestão foi por parte do advogado de defesa. O duro foi disfarçar a cara de enjoo para tanto debate enquanto aos jurados não restavam mais dúvidas.

Dez horas depois do início do julgamento foi dada a sentença. Ao ouvir a pena, culpado por mais um crime na sua extensa ficha, o réu perguntou: “Com tudo isso que aconteceu aqui eu só peguei quatro anos?”.

Resolução do novo dia: em dia de julgamento, seja lá qual for o seu lugar no tribunal, não coma em excesso.


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