Não sou o Cartola, mas minha carta na manga é sempre uma letra de samba. Basta que me façam um relato que faço aparecer uma letra que fala da situação. É uma espécie de receituário de doses poéticas e ritmo para os problemas mais comuns aos relacionamentos humanos.
A Márcia me contava um daquelas brigas que sem querer estragam uma noite que poderia ser um momento especial a dois. O motivo é sempre o mais banal, que não justifica tirar a paz. De repente, ficam os dois lados arrependidos de se deixar atrapalhar por tão pouco, mas ambos temem que o pedido de desculpa retome o conflito. Cada um pro seu lado na cama, mas no fundo querendo o que descreve o Diogo Nogueira em Amor Imperfeito:
“E quando acordar,
Quero te amar do jeito que sempre te amei,
Matar a saudade que o tempo deixou no meu peito,
Tirar esse nó da garganta, viver esse amor imperfeito.
O amor que apesar das barreiras nunca foi desfeito.”
E por falar em amor que sobrevive, diz-se por aí que o que for pra ser vigora. E foi vendo o Marquinho e a Patrícia de casa nova que me lembrei da composição de Luis Carlos Máximo e Moyseis Marques que fala de quando se decide juntar os Panos e Planos:
“Ganhei naquela parada, nega, e já comprei uma casinha branca.
Cozinha ladrilhada, tem samambaia e rede na varanda,
Um extenso lajeado pra se curtir nos domingos de sol,
Com churrasquinho e futebol. Espaço ‘pras’ crianças,
Na vizinhança canta um rouxinol.”
Dentre meus poucos grandes amigos, tem aqueles que são sonhadores e que não tem vergonha de sê-lo. Que não ficam desgostados da vida ao perceberem que alguém os passou pra trás e enxergam essas situações como aprendizado. Para eles dedico a letra de Edu Krieger e Moyseis Marques:
“Sim, sou de sonhar e acreditar! Daquele tipo de cair e levantar,
Daquele jeito de sofrer e não chorar, daquele peito que se orgulha do lugar,
Que eu vim, sou de sorrir, de resistir,
E insistir até onde for minha fé ou me façam calar a voz.
Sou de desatar os nós, e deitar entre os girassóis.
Sim, sou de falar de opinião, de sentimento e de comprar a discussão,
Se num momento estou no inverso da razão,
No entendimento eu calo em verso o coração.”
Se você chegou até aqui, já percebeu que a tristeza do sambista termina em verso e poesia. E desde que descobri que crônica é literatura que venho buscando a poesia nas minhas publicações desse gênero com inspiração no samba. Tem gente que acha que no fundo estou tirando Onda de Poeta (composição de Gabriel Azevedo e João Cavalcanti), enquanto eu sou apenas mais um apaixonado, vítima da saudade:
“Hoje a poesia é meu refúgio, sigo atrás da resignação.
Vivo atormentado pelo seu sorriso, a invadir minha imaginação.
Meu reino não vale um beijo dela, e eu estou disposto a dar bem mais.
Tudo é muito pouco quando comparado à falta que ela me faz.”
Se tem alguém que pode comemorar cantando O Trem do Tempo (letra de Diogo Nogueira, Ciraninho e Alceu Maia) esse é o Alexandre, que um dia chegou para mim chorando com a pergunta: o que se faz quando se leva um pé na bunda? Agora que passou, receitei estes versos:
“O trem do tempo apitou e você ficou pra trás,
Desembarcou na estação do passado.
O trem do tempo partiu e o destino me levou,
No fim da linha vai estar meu novo amor.
No fim da linha vou buscar meu grande amor!”
A última é a para todos aqueles que, como eu, não se importa em vestir a carapuça do ciumento. Tudo bem que a composição de Caetano Veloso não é um samba, mas duvido que uma letra descreva este sentimento universal em sensações tão simples:
“O ciúme dói nos cotovelos,
na raiz dos cabelos, gela a sola dos pés.
Faz os músculos ficarem moles, e o estômago vão e sem fome.
Dói da flor da pele ao pó do osso, rói do cóccix até o pescoço.
Acende uma luz branca em seu umbigo,
Você ama o inimigo e se torna inimigo do amor.
O ciúme dói do leito à margem,
Dói pra fora na paisagem, arde ao sol do fim do dia.
Corre pelas veias na ramagem, atravessa a voz e a melodia.”
Vale a ressalva que, segundo a letra Dor de Cotovelo, não há remédio poético que amenize o ciúme, já que ele corre pelas veias, atravessa a voz e a melodia. Estou procurando uma outra alternativa.
Recomendo Amor Imperfeito e O Trem do Tempo na voz do seu compositor Diogo Nogueira. Panos e Planos e Entre os Girassóis na voz revelação de Moyseis Marques. Onda de Poeta interpretada pela Banda Casuarina. E por fim Dor de Cotovelo na estrondosa voz de Elza Soares.
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