segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Receitando Sambas

Não sou o Cartola, mas minha carta na manga é sempre uma letra de samba. Basta que me façam um relato que faço aparecer uma letra que fala da situação. É uma espécie de receituário de doses poéticas e ritmo para os problemas mais comuns aos relacionamentos humanos.

A Márcia me contava um daquelas brigas que sem querer estragam uma noite que poderia ser um momento especial a dois. O motivo é sempre o mais banal, que não justifica tirar a paz. De repente, ficam os dois lados arrependidos de se deixar atrapalhar por tão pouco, mas ambos temem que o pedido de desculpa retome o conflito. Cada um pro seu lado na cama, mas no fundo querendo o que descreve o Diogo Nogueira em Amor Imperfeito:

“E quando acordar,

Quero te amar do jeito que sempre te amei,

Matar a saudade que o tempo deixou no meu peito,

Tirar esse nó da garganta, viver esse amor imperfeito.

O amor que apesar das barreiras nunca foi desfeito.”

E por falar em amor que sobrevive, diz-se por aí que o que for pra ser vigora. E foi vendo o Marquinho e a Patrícia de casa nova que me lembrei da composição de Luis Carlos Máximo e Moyseis Marques que fala de quando se decide juntar os Panos e Planos:

“Ganhei naquela parada, nega, e já comprei uma casinha branca.

Cozinha ladrilhada, tem samambaia e rede na varanda,

Um extenso lajeado pra se curtir nos domingos de sol,

Com churrasquinho e futebol. Espaço ‘pras’ crianças,

Na vizinhança canta um rouxinol.”

Dentre meus poucos grandes amigos, tem aqueles que são sonhadores e que não tem vergonha de sê-lo. Que não ficam desgostados da vida ao perceberem que alguém os passou pra trás e enxergam essas situações como aprendizado. Para eles dedico a letra de Edu Krieger e Moyseis Marques:

“Sim, sou de sonhar e acreditar! Daquele tipo de cair e levantar,

Daquele jeito de sofrer e não chorar, daquele peito que se orgulha do lugar,

Que eu vim, sou de sorrir, de resistir,

E insistir até onde for minha fé ou me façam calar a voz.

Sou de desatar os nós, e deitar entre os girassóis.

Sim, sou de falar de opinião, de sentimento e de comprar a discussão,

Se num momento estou no inverso da razão,

No entendimento eu calo em verso o coração.”

Se você chegou até aqui, já percebeu que a tristeza do sambista termina em verso e poesia. E desde que descobri que crônica é literatura que venho buscando a poesia nas minhas publicações desse gênero com inspiração no samba. Tem gente que acha que no fundo estou tirando Onda de Poeta (composição de Gabriel Azevedo e João Cavalcanti), enquanto eu sou apenas mais um apaixonado, vítima da saudade:

“Hoje a poesia é meu refúgio, sigo atrás da resignação.

Vivo atormentado pelo seu sorriso, a invadir minha imaginação.

Meu reino não vale um beijo dela, e eu estou disposto a dar bem mais.

Tudo é muito pouco quando comparado à falta que ela me faz.”

Se tem alguém que pode comemorar cantando O Trem do Tempo (letra de Diogo Nogueira, Ciraninho e Alceu Maia) esse é o Alexandre, que um dia chegou para mim chorando com a pergunta: o que se faz quando se leva um pé na bunda? Agora que passou, receitei estes versos:

“O trem do tempo apitou e você ficou pra trás,

Desembarcou na estação do passado.

O trem do tempo partiu e o destino me levou,

No fim da linha vai estar meu novo amor.

No fim da linha vou buscar meu grande amor!”

A última é a para todos aqueles que, como eu, não se importa em vestir a carapuça do ciumento. Tudo bem que a composição de Caetano Veloso não é um samba, mas duvido que uma letra descreva este sentimento universal em sensações tão simples:

“O ciúme dói nos cotovelos,

na raiz dos cabelos, gela a sola dos pés.

Faz os músculos ficarem moles, e o estômago vão e sem fome.

Dói da flor da pele ao pó do osso, rói do cóccix até o pescoço.

Acende uma luz branca em seu umbigo,

Você ama o inimigo e se torna inimigo do amor.

O ciúme dói do leito à margem,

Dói pra fora na paisagem, arde ao sol do fim do dia.

Corre pelas veias na ramagem, atravessa a voz e a melodia.”

Vale a ressalva que, segundo a letra Dor de Cotovelo, não há remédio poético que amenize o ciúme, já que ele corre pelas veias, atravessa a voz e a melodia. Estou procurando uma outra alternativa.







Recomendo Amor Imperfeito e O Trem do Tempo na voz do seu compositor Diogo Nogueira. Panos e Planos e Entre os Girassóis na voz revelação de Moyseis Marques. Onda de Poeta interpretada pela Banda Casuarina. E por fim Dor de Cotovelo na estrondosa voz de Elza Soares.

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