terça-feira, 6 de abril de 2010

Meu lugar no público

Nunca me expus tanto como neste momento da minha vida. Sou Psicólogo de um clube com 5000 sócios, 90 funcionários e 1000 atletas em formação. Minha atuação envolve intervenções em todos estes níveis. Posso começar um dia com treinamento de funcionários com 15 a 30 anos trabalhando nesta função e terminar o dia com uma reunião de equipe de basquete ou natação com crianças de 11 e 12 anos.

Como professor, leciono disciplinas no curso de Psicologia para todos os semestres, salvo os do último ano. Embora valorize a oportunidade que é oferecida pela Universidade, com turmas de cerca de 30 alunos que chegam mais tarde e mais maduros no curso, também estou exposto diante dessa grande quantidade de estudantes.

Talvez o meu consultório seja o que me exponha menos por hora de trabalho, já que a proporção é de um para um. Um terapeuta para um paciente. Mas talvez também me evidencie em algum grau por dar acesso às versões dos próprios autores de muitas das histórias desta cidade de interior. Há também os pacientes que tomam a palavra do terapeuta e a repetem o tempo todo fora do consultório para lhe autorizar certas condutas, mesmo que seja preciso editar o dito.

Como psicólogo do trabalho e do esporte, costumo ser procurado pelas razões mais distintas para uma conversa privada. Em contrapartida, procuro os funcionários e atletas para trabalhar seus comportamentos em grupo. Desde que iniciei este trabalho, tenho me deparado com o quanto algumas pessoas se incomodam com minha presença e as possibilidades de ameaça que poderia significar neste ambiente de trabalho. Explico para não parecer um delírio persecutório. Muitas vezes o psicólogo é visto como alguém que vem procurar problemas ou mostrar falhas. Ninguém gosta de ser apontado, ainda mais aquele que conseguiu se cercar de avaliações do seu trabalho durante anos e se sente frágil perto desta possibilidade que minha presença desperta.

Quando era estudante de psicologia, assistia minhas colegas suspirando pelos professores. Sempre existia uma que se derretia pelo professor mais esquisito. Hoje ocupo o lado oposto e vejo que independente do que faça, não posso impedir que alguma aluna ou algum aluno fantasiem a respeito de como sou fora da sala de aula e até queira me conhecer neste contexto. Procuro respeitar estes sentimentos, mas tem horas que me incomodo e até me questiono sobre qual minha responsabilidade nisso tudo.

Outro dia discutia com meu terapeuta esses acontecimentos, quando ele descreveu propriedades de meus comportamentos. As pessoas tendem me enxergam como disponível e acessível. Tenho cara de disposição para o outro quando procuro ser educado, cumprimentar todos aqueles que encontro, ajudar quando me pedem, corresponder aos que se interessam por aquilo que estou ensinando no meu trabalho. Trato de igual para igual quem está disposto a aprender comigo.

Mesmo assim, chegam aos meus ouvidos críticas descabidas feitas por quem sequer tem idéia do meu trabalho, ou seja, de quem avaliou sem conhecer de perto. Ou também fico sabendo que determinado aluno pensa que pego no seu pé por questões de nota, quando eu na verdade o considero um ótimo aluno.

Os estudiosos experimentais do comportamento afirmam que pequenos detalhes em nossas atitudes podem ser estímulos para o comportamento do outro. Penso que o melhor exemplo para esta constatação é uma tela chamada Madrugada que fica numa parede de meu consultório. Ela é grande do tamanho de uma janela, possui um caminho com árvores ao redor, mas seu maior efeito se dá por ser toda preta.

Esta tela foi estímulo para diferentes relatos em meus pacientes. Uma moça dizia detestá-la, que a tristeza sentida diante do painel incomodava, preferindo o lugar que ficava de costas para a pintura. Outros conseguiam ver que embora escuro e entre a névoa, o caminho era visível e que a madrugada é o que precede o nascer do dia. Mais interessante foi o relato de uma mesma pessoa em diferentes momentos. Ora o quadro lhe despertava sentimentos ruins ora agradáveis.

Este exemplo ilustra o quanto não temos controle sobre a reação do outro. Se o quadro, que é um objeto estático, pode despertar comportamentos tão opostos em uma única pessoa, quem dirá um psicólogo falante durante os diversos momentos do dia cheio de pessoas e objetivos a cumprir.

No ínterim acabo me divertindo com as constatações dos papéis que ocupo na vida das pessoas. Me aborrecer seria perder tempo com algo que não tenho comando. Este papel de longe é definido apenas pela natureza de minha profissão de psicólogo ou pelo meu comportamento como pessoa. Quanto mais pública fica minha imagem, mais me surpreendo com o lugar que eu ocupo na vida do outro. O que salva é a porção privada que me resta, e que só tem acesso quem eu permito. O lugar que ocupamos no público é transformado a cada dia, nas pequenas situações. E o que realmente sou pode demorar a ser perceptível àquela pessoa que faz parte do meu dia.

Madrugada
Massa acrílica e tinta látex sobre painel
100x120 cm







Para João Camargo, μεγάλος φίλος.

13 comentários:

Pri S. disse...

Ler o seu texto mexeu demais comigo e fez um turbilhão de pensamentos invadirem minha mente.

Tenho a mesma formação que você, mas por inúmeros motivos não estou atuando. Lendo essa sua postagem, foi inevitável associar minha profissão, meu posicionamento na minha vida e até no meu blog, a uma dificuldade imensa que eu tenho de me expor e ser julgada, rotulada, avaliada, mal compreendida.

Provavelmente esta dificuldade deve ter sido potencializada por um fase de bullying sofrida no início da minha adolescência. Mas hoje o contexto é outro, minha visão de mundo é diferente e meu amadurecimento idem. E fiquei aqui me perguntando de que exatamente eu tenho que me defender...rs

Pra eu mesma constatar o absurdo, estou com uma vontade imensa de deletar este comentário por achar que ele me expõem demais! rs Autopreservação e ser seletiva podem ser características positivas desde que não limitantes. E estou começando a achar que passou a hora de romper esse padrão.

Ao se expor, você me propiciou uma chance importante de reflexão. Obrigada por isso! :-)

Augusto Amato Junior disse...

Depois de tudo isso posso dizer, para animá-los um pouquinho que, chegar até nossa "caixa preta", só DEUS, Ele sabe o que construiu.

Augusto Amato Neto disse...

Priscila,
Suas contribuições sempre me chamaram a atenção. Escreve muito bem, coloca palavras certas em certas coisas do mundo. Mas sempre senti um tom reticente em alguns textos seus. Cheguei a comentar com meu terapeuta sobre seus comentários especiais e a querer saber quem era a pessoa que estava por trás dos comentários. Além da questão homônima com uma pessoa especial em minha vida.
Me expor não é uma coisa fácil para mim também, fui obeso mórbido e guardo boa parte da rejeição em minhas reações ao mundo até hoje.
Mas ao ler seu comentário quase apagado [que bom que não foi] me parece que seu tom reticente é o de quem tem comportamentos guardados e que não podem ser reforçados socialmente. Você precisa sim expor seu melhor. Pois quando oferecemos nosso melhor alguém retribui, veja nossa troca pelos blogs como exemplo.
"Sua coragem não é medida somente pelo quanto você se expõe, mas também pelo quanto se preserva".
Gostaria que ao me expor, propiciasse em você uma chance de exposição. Tudo depende do que se mostra. Aí poderá me agradecer.
Grande beijo.

Augusto Amato Neto disse...

Concordo, Pai, que o que realmente somos, só Deus sabe.

Rosa Maria disse...

ahhhhhh..
acabei de perder o que escrevi....portanto farei um comentário outro dia...fiquei fragilizada pela derrota de não conseguir colocar o comentário....
Augusto....estar exposto é o mesmo que se olhar no espelho... por isso que tememos. As vezes ao se expor se brilha muito e isso ofusca o brilho dos outros......rs
bjos...a todos...apareça..!

Rosa Maria disse...

Xiiiii..achei que tinha perdido....agora ficam os dois comentários..rs
bjinhos.
Só Deus nos conhece!

Unknown disse...

Rosinha, o bacana de seus três comentários é que disse a mesma coisa de duas maneiras diferentes, assim fez o exercício da síntese e concluiu que "estar exposto é o mesmo que se olhar no espelho". Mostramos a fragilidades e amadurecemos!

Unknown disse...

Ops! Comentei com o perfil da Geise... Não é só vc que apanha aqui Rosinha!
Augusto

Pri S. disse...

Augusto,

Primeiro agradeço aos elogios sobre a minha forma de escrever. Em seguida, posso dizer que a sua curiosidade sobre mim me envaideceu, apesar da sua motivação ser a ligação com uma Pri diferente! rs

Mas preciso comentar como achei curioso você achar que sou reticente. Na minha escrita eu não coloco nada que me revele num sentido de ligar o nome à pessoa aqui do outro lado da tela. Em compensação, eu pensava que o meu blog pudesse refletir exatamente quem eu sou. Todos os meus eus estão lá. Tudo que apreendo do convívio com as pessoas que me cercam. Inclusive as minhas fantasias e, como o próprio nome revela, também os meus devaneios. Até parte do meu gosto musical e minha fixação por livros e cinema.

E aí você diz que eu sou reticente... rs Eu tenho uma firmeza que beira o gênio forte, não escondo isso. E eu não hesito em me revelar, desde que isso não implique em tornar-me vulnerável a quem possa conviver comigo aqui, na vida cotidiana do olho-no-olho.

Pensando bem, acho que sou tantas dentro de uma só... E é como se pra ser levada à sério eu permitisse que apenas algumas viessem à tona e sufocasse outras - porque elas coexistem dentro de mim, mas não sobrevivem à realidade e à compreensão rasa de um julgamento social. Só que sem todas, eu me torno um arremedo de mim mesma! rs

A minha batalha tem sido agregar todas elas e aceitar a minha complexidade (que não é apenas minha, mas de todo ser humano que ouse olhar pra si mesmo)e fazer com que elas coexistam em harmonia.

Talvez porque eu mesma ainda não saiba lidar com todas as facetas contrastantes, tenha o receio de ser julgada - e sabemos que as pessoas julgam, até pra fugir de olhar no espelho.

Escrevendo assim parece dramático, mas isso é coisa de quem vai fundo demais na autoanálise... Fica intenso mesmo.

Só sei que você está me fazendo pensar. E isso é bom. Aqui, encorajada por vc, estou me expondo de certa forma. Reflexão vinda em momento propício e fértil.

Pra aumentar a transparência, vou te dizer que fiquei curiosa por vc ter "me levado pra sua terapia". De qualquer forma, a "pessoa por trás dos comentários" sempre importa menos do que entender o que os comentários dela suscitaram em vc, não é mesmo? ;-)

A "pessoa por trás dos comentários" é mais um ser humano em busca de conhecer-se melhor, ser mais feliz e encontrar seu lugar no mundo.

E te agradece novamente por você ter sido provocador de uma desestabilização produtiva. rs

Bjos!

Augusto Amato Neto disse...

Que interessante sua resposta!
Suas facetas são mais olhadas do que o todo, coisa típica de autoconhecedor compulsivo (sou desses), mas repare como suas fotos são sempre a parte do todo, sempre algo fica de fora...
O que nossos Blogs são senão os nossos "eus" que não tem espaço no mundo real e que acabam no virtual. O bacana é a produção literária que surge por tabela.
Sobre a terapia, em muitas delas levo a crônica e os comentários para a sessão. Você estava lá no seu comentário sobre o escorpião.
"Escreve bem esta Priscila", foi o comentário do terapeuta.
De nada, minha sinceridade as vezes é uma metralhadora! rs
Beijo grande.

Pri S. disse...

:-)

Hora dessas surjo com nome, sobrenome e foto do rosto todo... E olha o absurdo: você terá parte nisso! rsrsrsrs Por ter semeado em terreno que já estava fértil. Bjos!

Augusto Amato Neto disse...

Errata, Priscila, meu terapeuta fez esse comentário quando eu li o que escreveu na crônica da Sara. Foi muito bonito o que disse sobre os laços!

Unknown disse...

"Somos" e "somos" em diversos momentos da vida...
Momentos e lembranças.Ganhos e perdas...A todo o tempo estamos expostos a nós mesmos...

"Hoje eu não vivo só... em paz...
Hoje eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho
Muitos passarão..."
A fé solúvel-OTM