sábado, 7 de janeiro de 2017

A Primeira Letra do Nome

Arquivo Pessoal


Era missa do galo. Passamos a véspera do Natal agradecendo o ano que terminava, abastecendo-nos com a fé em Deus, em nós mesmos, nas pessoas e na vida. Passamos o Natal refletindo sobre o que passou para liberar espaço para desejar o que virá.

Já terminada a missa, o coro entoando “Noite Feliz”, naquele clima cordial de dever cumprido e de felicitações aos que estavam ao nosso redor. Deixando os bancos e pegando o corredor para a saída, Natália se deparou com uma conhecida.

Oi Dona Lizete, que bom encontrar a senhora aqui! Feliz Natal! Deixa eu apresentar meu marido pra senhora. Esse aqui é a minha letra A. A senhora estava certa!

Eu a cumprimentei afetuosamente, percebendo o carinho que a Natália tinha por ela e ela pela Natália, mas fiquei sem entender nada. “Como assim, eu era a letra A? Ela estava certa do quê?”, pensei. A professora ficou feliz com a resposta afirmativa da Natália e emocionada com o encontro, naquela noite.

Saindo da igreja, a Natália me contou que a professora Lizete Giovanelli lhe dava aula de artes. Ao final da aula, enquanto os meninos saiam correndo para jogar bola, as meninas faziam fila na mesa da professora Lizete.

Ela pegava uma folha em branco e escrevia a inicial da aluna de um lado, parava por alguns segundos e desenhava uma letra do outro lado. Algumas vezes entrelaçava as duas letras sobrepostas, outras colocava uma letra em cima e a outra embaixo.  A letra desenhada junto à da aluna era a inicial do futuro marido dela. Além de uma caligrafia caprichada, ela decorava a folha com arabescos para que a aluna levasse a folha das letras para casa.

A previsão da letra do homem certo fazia mais sucesso do que o teste da Revista Capricho. E olha que naquela época a menina que tinha uma revista Capricho tinha o mesmo valor que o menino que era o dono da bola no campo do bairro.

Para deixar a amiga fazer o teste da Capricho, era uma série de exigências e de favores em troca, além de ter de anotar as respostas em outro papel para não rabiscar a revista. Tudo isso perdia a graça quando chegava a hora da professora Lizete adivinhar a letra.

A Natália, que na época namorava um Julio, não se conformava com a letra A desenhada na folha. Tentou repetir o procedimento alguns meses depois, na esperança que a professora Lizete tivesse errado o palpite, mas novamente ela lhe dera como par a letra A.

Não importa que passasse um tempo, a professora Lizete era coerente com a sua primeira previsão. Ela é como alguns professores que eu tive na vida. Professores que, além do conhecimento técnico, teórico e científico, tinham algo a mais para oferecer aos seus alunos.

Algum atributo que, para nós alunos, parecia mais um superpoder. Alguém cujas lições não são compreendidas no momento em que se convive, mas no decorrer da vida, quando a lição vem a fazer sentido.

Professora Lizete, muito prazer, a senhora estava certa! Eu sou a letra A, que desde aquela aula, estava escolhida para fazer par com essa letra N.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Existem pessoas que, sem convívio ou sem história de relacionamento, são capazes de proporcionar em nós um alegre contentamento.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois,07/01/2017, Edição Nº 1441.

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