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Era missa do galo. Passamos a véspera do Natal agradecendo o
ano que terminava, abastecendo-nos com a fé em Deus, em nós mesmos, nas pessoas
e na vida. Passamos o Natal refletindo sobre o que passou para liberar espaço
para desejar o que virá.
Já terminada a missa, o coro entoando “Noite Feliz”, naquele
clima cordial de dever cumprido e de felicitações aos que estavam ao nosso
redor. Deixando os bancos e pegando o corredor para a saída, Natália se deparou
com uma conhecida.
— Oi Dona
Lizete, que bom encontrar a senhora aqui! Feliz Natal! Deixa eu apresentar meu
marido pra senhora. Esse aqui é a minha letra A. A senhora estava certa!
Eu a cumprimentei afetuosamente, percebendo o carinho que a
Natália tinha por ela e ela pela Natália, mas fiquei sem entender nada. “Como
assim, eu era a letra A? Ela estava certa do quê?”, pensei. A professora ficou
feliz com a resposta afirmativa da Natália e emocionada com o encontro, naquela
noite.
Saindo da igreja, a Natália me contou que a professora Lizete
Giovanelli lhe dava aula de artes. Ao final da aula, enquanto os meninos saiam
correndo para jogar bola, as meninas faziam fila na mesa da professora Lizete.
Ela pegava uma folha em branco e escrevia a inicial da aluna
de um lado, parava por alguns segundos e desenhava uma letra do outro lado. Algumas
vezes entrelaçava as duas letras sobrepostas, outras colocava uma letra em cima
e a outra embaixo. A letra desenhada junto
à da aluna era a inicial do futuro marido dela. Além de uma caligrafia
caprichada, ela decorava a folha com arabescos para que a aluna levasse a folha
das letras para casa.
A previsão da letra do homem certo fazia mais sucesso do que
o teste da Revista Capricho. E olha que naquela época a menina que tinha uma
revista Capricho tinha o mesmo valor que o menino que era o dono da bola no
campo do bairro.
Para deixar a amiga fazer o teste da Capricho, era uma série
de exigências e de favores em troca, além de ter de anotar as respostas em
outro papel para não rabiscar a revista. Tudo isso perdia a graça quando
chegava a hora da professora Lizete adivinhar a letra.
A Natália, que na época namorava um Julio, não se conformava
com a letra A desenhada na folha. Tentou repetir o procedimento alguns meses
depois, na esperança que a professora Lizete tivesse errado o palpite, mas
novamente ela lhe dera como par a letra A.
Não importa que passasse um tempo, a professora Lizete era
coerente com a sua primeira previsão. Ela é como alguns professores que eu tive
na vida. Professores que, além do conhecimento técnico, teórico e científico,
tinham algo a mais para oferecer aos seus alunos.
Algum atributo que, para nós alunos, parecia mais um
superpoder. Alguém cujas lições não são compreendidas no momento em que se convive,
mas no decorrer da vida, quando a lição vem a fazer sentido.
Professora Lizete, muito prazer, a senhora estava certa! Eu
sou a letra A, que desde aquela aula, estava escolhida para fazer par com essa
letra N.
| Existem pessoas que, sem convívio ou sem história de
relacionamento, são capazes de proporcionar em nós um alegre contentamento.
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