sábado, 12 de dezembro de 2015

Cultivar a Barba

Arte de Weberson Santiago


Resolvi cultivar a barba. Não, não deixei a barba crescer. O verbo que define a relação de um homem com a sua barba é cultivar. Deixar crescer é coisa da natureza. Cultivar é coisa de ser humano. Cultivar envolve a expectativa, o investimento, o cuidado e o resultado.
O que me fez pensar nisso foi uma necessidade que tenho, desde que me entendo por gente, de mudar a aparência de vez em quando. Eu admiro a fidelidade dos meus amigos que mantêm o mesmo corte de cabelo desde a infância, sobretudo por tê-lo preservado inclusive na adolescência. Mas para mim isso é monotonia. Já tem tanta coisa na vida que a gente não pode mudar.
Depois da decisão, consultei a mulher. Contei torcendo para que ela não me viesse com um contra. Ela estranhou a ideia inicialmente, disse que seu pensamento imediato foi “é coisa de velho” e se lembrou barbas sujas e malcuidadas. Começou a se acostumar com a novidade com o passar dos dias. A verdade é que eu joguei baixo e ela não resistiu ao perfume do pós-barba nos fios, que passei a usar diariamente. Então ela se tornou uma aliada na expectativa de como iria ficar e na defesa da experiência capilar no extremo oposto ao meu cocuruto.
Os amigos me apoiaram e, ao mesmo tempo, não quiseram ficar para trás. Eles resolveram deixar a barba ou o cavanhaque crescer. Foram eles que me fizeram descobrir um costume antigo e que vem conquistando novos adeptos com o aumento do número de barbudos: frequentar a barbearia.
Além de aparar e me ajudar a definir um formato bacana, descobri que a visita ao barbeiro é extremamente relaxante. A toalha quente com cheiro de eucalipto é a parte mais prazerosa. Só o narigão fica de fora para respirar, enquanto se relaxam os poros e se acalmam os ânimos. Sem contar a pincelada macia e refrescante da espuma, feita a partir da mistura entre o creme da bisnaga e a água, espalhada com o pincel com cerdas de crina de cavalo.
Sabia que iria me deparar com a reprovação do novo visual em algum momento. Foi numa situação inusitada. Assim que soube do falecimento do meu tio-avô, passei do velório para abraçar a tia e os primos. Como fui um dos primeiros a passar por lá, minha barba se tornou assunto do velório com a chegada da minha mãe, que até então não havia me revelado descontentamento. Estimulada pela concordância da ala conservadora da família, no dia seguinte ela veio: “Se eu te pedir uma coisa, você faz?”, usando todo o seu poder de mãe. “Se estiver ao meu alcance...”, respondi tentando me esquivar da pergunta-cilada. “Tira essa barba!”, disparou ela, citando quem havia achado a barba feia no velório. Posso dizer que fiquei incomodado com a reprovação, afinal palavra de mãe sempre tem um grande peso. Mas não pensei em voltar atrás porque estou satisfeito assim.
Só a cumplicidade masculina para vencer a implicância feminina. Relatando o ocorrido aos amigos, eles me contaram que também ouviram reclamações de mulheres de sua convivência, mas que não abriram mão da barba. O barbeiro, até para não perder o cliente, reafirmou que estou na moda e caprichou no serviço para alinhar os fios desgrenhados.
Minha mãe não se deu por satisfeita e quando atualizei minha foto do perfil no Facebook com a barba, liderou uma campanha, criando a hashtag #augustotiraabarba. E como toda opinião expressa na rede social, encontrou muita gente que a apoiasse e defendesse a cara limpa.  Eu fiquei bravo, me senti exposto e quando nos falamos pelo telefone, não perdi a chance de dizer que não achava certo uma mãe ficar reprovando a decisão de um filho publicamente. Ela entendeu e deu trégua. E a barba segue sendo cultivada.
Entendam mulheres, de uma vez por todas, que ir ao barbeiro é a única vez em que o homem fica feliz por ter uma navalha no seu pescoço.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Tudo o que você vier a ser, seja lá o que for, virá acompanhado de algum tipo de reprovação.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 12/12/2015, Edição Nº 1385.

4 comentários:

JHARique!!!! disse...

E viva aos barbudos

Elenir Freitas disse...

Dito Burrone era barbeiro, Augusto. A Barbearia era o ponto de encontro dos jovens estudantes, dos boêmios, era onde ele e o Tião Burrone, meu tio, trocavam livrinhos de mistério e de faroeste com os adeptos da leitura. Minha mãe preparava as toalhinhas brancas para proteger o rosto e o pescoço. Antonino Silva ficou com o último par de navalhas, quando meu pai morreu. Lindo texto, como sempre. Não cheguei a criticar, mas estranhei sua barba. Hoje vejo que você a cultiva tão bem quanto cultiva as palavras. Beijão

Ana Madeira disse...

Nota
10,0 para a crõnica
7,5 para a super barba

Passou com louvor.
Parabéns!

Augusto Amato Neto disse...

Obrigado, Ana e Elenir!