Arte de Weberson Santiago |
Resolvi cultivar a barba. Não, não
deixei a barba crescer. O verbo que define a relação de um homem com a sua
barba é cultivar. Deixar crescer é coisa da natureza. Cultivar é coisa de ser
humano. Cultivar envolve a expectativa, o investimento, o cuidado e o
resultado.
O que me fez pensar nisso foi uma
necessidade que tenho, desde que me entendo por gente, de mudar a aparência de
vez em quando. Eu admiro a fidelidade dos meus amigos que mantêm o mesmo corte
de cabelo desde a infância, sobretudo por tê-lo preservado inclusive na
adolescência. Mas para mim isso é monotonia. Já tem tanta coisa na vida que a
gente não pode mudar.
Depois da decisão, consultei a
mulher. Contei torcendo para que ela não me viesse com um contra. Ela estranhou
a ideia inicialmente, disse que seu pensamento imediato foi “é coisa de velho”
e se lembrou barbas sujas e malcuidadas. Começou a se acostumar com a novidade
com o passar dos dias. A verdade é que eu joguei baixo e ela não resistiu ao
perfume do pós-barba nos fios, que passei a usar diariamente. Então ela se
tornou uma aliada na expectativa de como iria ficar e na defesa da experiência
capilar no extremo oposto ao meu cocuruto.
Os amigos me apoiaram e, ao mesmo
tempo, não quiseram ficar para trás. Eles resolveram deixar a barba ou o
cavanhaque crescer. Foram eles que me fizeram descobrir um costume antigo e que
vem conquistando novos adeptos com o aumento do número de barbudos: frequentar
a barbearia.
Além de aparar e me ajudar a definir
um formato bacana, descobri que a visita ao barbeiro é extremamente relaxante.
A toalha quente com cheiro de eucalipto é a parte mais prazerosa. Só o narigão
fica de fora para respirar, enquanto se relaxam os poros e se acalmam os
ânimos. Sem contar a pincelada macia e refrescante da espuma, feita a partir da
mistura entre o creme da bisnaga e a água, espalhada com o pincel com cerdas de
crina de cavalo.
Sabia que iria me deparar com a
reprovação do novo visual em algum momento. Foi numa situação inusitada. Assim
que soube do falecimento do meu tio-avô, passei do velório para abraçar a tia e
os primos. Como fui um dos primeiros a passar por lá, minha barba se tornou
assunto do velório com a chegada da minha mãe, que até então não havia me
revelado descontentamento. Estimulada pela concordância da ala conservadora da
família, no dia seguinte ela veio: “Se eu te pedir uma coisa, você faz?”,
usando todo o seu poder de mãe. “Se estiver ao meu alcance...”, respondi
tentando me esquivar da pergunta-cilada. “Tira essa barba!”, disparou ela,
citando quem havia achado a barba feia no velório. Posso dizer que fiquei
incomodado com a reprovação, afinal palavra de mãe sempre tem um grande peso.
Mas não pensei em voltar atrás porque estou satisfeito assim.
Só a cumplicidade masculina para
vencer a implicância feminina. Relatando o ocorrido aos amigos, eles me
contaram que também ouviram reclamações de mulheres de sua convivência, mas que
não abriram mão da barba. O barbeiro, até para não perder o cliente, reafirmou
que estou na moda e caprichou no serviço para alinhar os fios desgrenhados.
Minha mãe não se deu por satisfeita e
quando atualizei minha foto do perfil no Facebook com a barba, liderou uma
campanha, criando a hashtag #augustotiraabarba. E como toda opinião expressa na
rede social, encontrou muita gente que a apoiasse e defendesse a cara
limpa. Eu fiquei bravo, me senti exposto
e quando nos falamos pelo telefone, não perdi a chance de dizer que não achava
certo uma mãe ficar reprovando a decisão de um filho publicamente. Ela entendeu
e deu trégua. E a barba segue sendo cultivada.
Entendam mulheres, de uma vez por
todas, que ir ao barbeiro é a única vez em que o homem fica feliz por ter uma
navalha no seu pescoço.
| Tudo
o que você vier a ser, seja lá o que for, virá acompanhado de algum tipo de
reprovação.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 12/12/2015, Edição Nº 1385.
4 comentários:
E viva aos barbudos
Dito Burrone era barbeiro, Augusto. A Barbearia era o ponto de encontro dos jovens estudantes, dos boêmios, era onde ele e o Tião Burrone, meu tio, trocavam livrinhos de mistério e de faroeste com os adeptos da leitura. Minha mãe preparava as toalhinhas brancas para proteger o rosto e o pescoço. Antonino Silva ficou com o último par de navalhas, quando meu pai morreu. Lindo texto, como sempre. Não cheguei a criticar, mas estranhei sua barba. Hoje vejo que você a cultiva tão bem quanto cultiva as palavras. Beijão
Nota
10,0 para a crõnica
7,5 para a super barba
Passou com louvor.
Parabéns!
Obrigado, Ana e Elenir!
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