sábado, 13 de dezembro de 2014

Dançando com a Vida

Foto do Arquivo Pessoal



Noutro domingo, resolvi passear em Ribeirão Preto com as minhas meninas. Tinha ouvido falar de um evento chamado Projeto Café com Choro. Trata-se de um baile que ocorre há 20 anos no meio do campus da USP de Ribeirão Preto.
Todos os domingos, das dez horas da manhã ao meio dia, as pessoas se reúnem para dançar ao som do Grupo Rouxinóis. Pessoas de todas as idades se encontram na pista ladeada de bancos de alvenaria em frente ao par de coretos, sendo que o maior deles abriga a banda. Fica bem do lado do Museu do Café e um pouco atrás do casarão sede da antiga fazenda que se tornou campus universitário, cujo prédio hoje abriga um Museu Histórico.
É um lugar carregado de história e que continua fazendo história com o baile que se repete aos domingos durante o ano todo. Além dos músicos e casais pés-de-valsa, muitos turistas comparecem para admirar a simplicidade cativante do evento. São recebidos com suco, café, chá e bolachas, daí o nome Café com Choro. Já adianto que a beleza está na simplicidade. Se não é capaz de enxerga-la ou senti-la, prefira o shopping.
Descemos do carro e fomos em direção ao som. Ficamos encantados com o que vimos. Uma banda composta por cabeças brancas e alguns novatos. Entre os dançarinos, jovens com habilidade para dançar o forró, casais de meia idade em sintonia na dança de salão e exemplares casais de idosos esbanjando disposição.
Procuramos lugar nos bancos em volta. Observei uma toalha esticada no assento e supus que tinha alguém sentado ali. Ao lado uma garrafa de água. Percebi que os frequentadores trazem um kit e tem seu ritual para participar do baile.
Achamos dois lugares, onde a Natália e a Anelise se sentaram, enquanto eu subi numa parte superior atrás do banco e comecei a tirar fotos. Não fazia nem cinco minutos que estávamos ali. Uma senhora de cabelos brancos, vestido marrom e sapato de salto preto, que estava dançando, saiu da pista quando a música terminou, se aproximou da Natália e disse: “Adorei o seu vestido” – referindo-se ao vestido preto com rosas amarelas e vermelhas dela. “Ah, obrigado. O da senhora também é muito bonito”, respondeu prontamente a Natália. Outra senhora que estava do lado resolveu participar: “A Ivone sempre está bem vestida, acho que a filha dela é dona de boutique!”.
Percebi que estava num lugar diferente e com pessoas felizes, algo raro nos dias de hoje. Respirei aliviado por existirem lugares assim. Agradeci por estar naquele lugar.
Enquanto observava os casais dançando, me chamou a atenção a postura ereta de uma senhora elegante. Ela tinha uma postura fina ao dançar e um semblante alegre. Quando a música terminou, ela começou a conversar com seu parceiro, um senhor de chapéu de palha, camisa preta e cruz de prata no peito. Ele listava os bailes da cidade que já participou, perguntando se ela os conhecia. Ela respondeu: “Faz apenas cinco anos que eu saio. Passei a vida toda cuidando da casa, dos filhos. Descobri a dança faz pouco tempo.”
O dono da toalha parou de dançar e sentou-se ao lado da Natália. Um senhor barrigudo, de camisa azul e dois botões abertos. Retirou do bolso uma bala de menta e ofereceu pra Anelise. Ela não aceitou, seguindo a regra que repetimos de nunca aceitar bala de estranhos. Eu queria poder explicar pra ela que tem lugares como aquele que ainda se pode aceitar uma bala de um estranho, mas me mantive observando. Ele insistiu, ela negou, então ele abriu e chupou a bala.
Envolvidos pelo clima, Natália e eu resolvemos arriscar um dois-pra-lá, dois-pra-cá. Alguém da banda tirou umas fotos nossas. Quando a música terminou, voltamos pro banco e perguntei: “Anelise, quer dançar?”
Ela ficou encabulada. Aquela senhora de postura esguia e que aprendeu a ir ao baile há cinco anos se aproximou e perguntou o nome dela. Disse-lhe com uma voz doce, num ritmo cadenciado: “Anelise, dança com ele! A dança é uma coisa muito boa, é uma alegria, a gente se sente leve, se sente bem. Na vida a gente precisa aprender a dançar!”
Eu sempre imaginei que a dança fizesse bem, mas naquele dia eu tive a certeza.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Mais um objetivo na vida: aprender a dançar. Um dia vou encontrar tempo para fazer aulas semanais.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 13/12/2014, Edição Nº 1335.

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