sábado, 9 de agosto de 2014

Meu Pai e O Seu Sax

Arte de Augusto Amato Neto


Tenho a sorte de ter um pai músico. Minha infância foi embalada por uma coleção de discos de vinil com clássicos do jazz e do blues e pelo som dos seus saxofones, o tenor e o soprano.
Em casa, rolavam alguns dos ensaios. Os meus ensaios preferidos eram os do meu pai com o Kiko Zamarian de noite no quarto de som, cômodo da casa com uma estante de ferro que ocupa toda a parede e que abriga seus discos numerados e catalogados, cada um em um saco plástico transparente. Prateleiras que abrigam seus aparelhos de som e caixas acústicas, onde ele guarda, na parte de baixo com portas, seus saxofones e sua intocável caixa de ferramentas – aquela que eu sempre soube onde ele escondia as chaves e que ele sempre soube que eu usava e tentava parecer que não tinha usado.
Ali tinha um sofá cheio de almofadas, em que meu pai e o Kiko sentavam na ponta para ensaiar. Eu chegava de mansinho, passava por trás do meu pai e deitava no meio das almofadas. Foram as melhores músicas de dormir que uma infância poderia ter. Ao vivo, dentro de casa, meus sonhos como plateia. Não gostava quando o som parava, o silêncio voltava e quando eu ouvia o som dos fechos de metal dos cases dos instrumentos.
À noite ou aos finais de semana, meu pai recebia em casa um casal apaixonado com casamento marcado. Para complementar a renda familiar ele tocava sax em casamentos. O primeiro desafio era conciliar o gosto do casal com o seu bom gosto musical. Eliminar músicas bregas ou clichês do Kenny G, sem causar descontentamento nos contratantes. Se fosse necessário, ele tirava a música no sax para agradar a noiva no seu dia especial.
E quando chegava o grande dia, lá ia eu acompanhar meu pai, às vezes o Kiko também tocava violão, às vezes ele segurava sozinho a trilha sonora da cerimônia inteira. Me lembro do frio na barriga que sentia ao esperar a hora certa da música começar, eu não sabia qual era, mas ele acertava a hora exata e mandava seus improvisos. Aliás, a sua grande qualidade como saxofonista é improvisar e o som parecer ensaiado de tanto que encaixa no contexto.
Eu assistia a reação da família e dos convidados lá daquele mezanino que tem nas igrejas. Via a cerimônia de cima, mas achava que a benção do casamento era dada também pelo meu pai e pelo som forte e emocionado de seu saxofone.
A única coisa que eu não gostava eram das noitadas que eu ainda não conseguia acompanhar. Quando eles faziam shows em bares da região e eu ia junto, não conseguia aproveitar porque era muito pequeno. Logo já me dava sono e eu ia pro carro dormir. Queria que essa fase tivesse ido até a minha adolescência para que eu pudesse ter aproveitado mais.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Pela minha formação musical, sertanejo universitário não consegue tirar o diploma.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 09/08/2014, Edição Nº 1317.

Um comentário:

Matiza Rigobello disse...

Tivemos o privilégio de tê-lo, junto aos Ojos Negros no nosso casamento... no repertório, prá lá de bom gosto , egberto gismonti, santana, entre outros...