sábado, 17 de agosto de 2013

Rodovia é Andança, Estrada Vicinal é Bonança

Arte de Augusto Amato Neto


Pode existir muito conforto em uma rodovia duplicada com cinco faixas cada uma, mas não existe sensação melhor do que pegar uma pequena estrada vicinal de mão dupla.

Rodovia duplicada é rápida, mas é impessoal e sem graça. Muita engenharia e pouca inspiração. Tecnologia de sobra no asfalto e na velocidade, com paisagem insossa.

Estrada vicinal é o caminho possível de antigamente. É o trecho onde o boi fazia carga e onde o cavalo carregava as pessoas sob a terra. O trecho tortuoso pelo meio da vizinhança. Você encontra os suportes com barril de leite na porteira da fazenda e, até hoje, ninguém rouba o barril. Não há necessidade de vigia. É um respeito rural, um pacto de honestidade que permite abrir mão de câmeras.

Fecho os olhos, busco no Instagram da minha memória e encontro a imagem de cor perfeita, feita pelo filtro da minha retina com os raios de sol e as cores da natureza na estrada que liga Divinolândia/SP a Poços de Caldas/MG. Uma de minhas estradas preferidas.

São 31,4 Km com uma topografia repleta de caminhos tortuosos e paisagens incríveis. Um trajeto com tantas curvas que os braços oscilam mais do que para-brisas na chuva forte. Os aclives e declives fazem do percurso uma montanha russa às avessas, sem frio na barriga, sem medo da próxima parte. Espera-se a próxima imagem depois da curva. Não há como atravessar esta estrada com pressa, foi feita para ser percorrida calmamente. A calma é amiga da contemplação. Quem escolhe uma vicinal, aprende a observar as paisagens.

Neste caminho tem a Igreja de Três Barras, que fica de fronte ao caminho de quem vem de Divinolândia e vai para Poços. Mais adiante, a estrada corta um distrito de Divinolândia chamado Campestrinho. É praticamente um bairro de oito quarteirões cuja rua principal é a própria estrada, com uma rua paralela abaixo e acima. É tão pequena que não tem supermercado, apenas o mercadinho que vende de tudo, da verdura até a panela. Nas portas, vê-se boa parte da mercadoria pendurada do lado de fora. Bola de futebol pra molecada, vassoura de palha caipira e tudo mais o que não cabe no interior do mercadinho.

É por essas e por outras que eu prefiro os caminhos diferentes e pouco conhecidos.

Não admiro uma grande veia ou artéria do coração. Se uma delas entope, são os pequenos vasos que garantem a irrigação do sangue pelo coração. Eles se ramificam ainda mais, aumentam seu calibre quando uma veia ou artéria é obstruída e são capazes de prolongar uma vida. As artérias mais finas, chamadas capilares, são responsáveis pela troca de dióxido de carbono por oxigênio nos pulmões, por eliminar as substâncias que o organismo não pode aproveitar através da urina no rim. No intestino, é nos capilares que os nutrientes são absorvidos e os resíduos não aproveitáveis são liberados. São os pequenos tuneis que saem do coração que fazem as extremidades respirarem.

Aprendi, pelas estradas da vida e pelos caminhos do coração, a não desprezar as estradas pequenas. Não recuso uma rodovia quando estou com pressa, mas prefiro a estrada vicinal quando posso escolher. Se não posso pegar uma estrada vicinal, viajo por dentro das minhas veias vicinais, percorro os caminhos por onde pulsam o meu coração.

A rodovia duplicada permite a mão do homem fique na coxa da mulher o tempo todo, pois o cambio permanece a maior parte do tempo na quinta marcha. Mas somente a estrada tortuosa e simples estabelece ocasião para a correspondência.

É na vicinal que a mão da mulher repousa na perna do homem. Ela retribui o carinho quando as curvas não permitem que ele solte uma das mãos do volante ou tenha que ficar mudando a marcha com frequência.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| As estradas da vida não são retas, nem expressas. O caminho é sinuoso, desconhecido e repleto de obstáculos.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 17/08/2013, Edição Nº 1265. 

Nenhum comentário: