Arte de Augusto Amato Neto |
Pode
existir muito conforto em uma rodovia duplicada com cinco faixas cada uma, mas
não existe sensação melhor do que pegar uma pequena estrada vicinal de mão
dupla.
Rodovia
duplicada é rápida, mas é impessoal e sem graça. Muita engenharia e pouca
inspiração. Tecnologia de sobra no asfalto e na velocidade, com paisagem
insossa.
Estrada
vicinal é o caminho possível de antigamente. É o trecho onde o boi fazia carga
e onde o cavalo carregava as pessoas sob a terra. O trecho tortuoso pelo meio
da vizinhança. Você encontra os suportes com barril de leite na porteira da
fazenda e, até hoje, ninguém rouba o barril. Não há necessidade de vigia. É um
respeito rural, um pacto de honestidade que permite abrir mão de câmeras.
Fecho os
olhos, busco no Instagram da minha memória e encontro a imagem de cor perfeita,
feita pelo filtro da minha retina com os raios de sol e as cores da natureza na
estrada que liga Divinolândia/SP a Poços de Caldas/MG. Uma de minhas estradas
preferidas.
São 31,4
Km com uma topografia repleta de caminhos tortuosos e paisagens incríveis. Um trajeto
com tantas curvas que os braços oscilam mais do que para-brisas na chuva forte.
Os aclives e declives fazem do percurso uma montanha russa às avessas, sem frio
na barriga, sem medo da próxima parte. Espera-se a próxima imagem depois da
curva. Não há como atravessar esta estrada com pressa, foi feita para ser percorrida
calmamente. A calma é amiga da contemplação. Quem escolhe uma vicinal, aprende
a observar as paisagens.
Neste
caminho tem a Igreja de Três Barras, que fica de fronte ao caminho de quem vem
de Divinolândia e vai para Poços. Mais adiante, a estrada corta um distrito de
Divinolândia chamado Campestrinho. É praticamente um bairro de oito quarteirões
cuja rua principal é a própria estrada, com uma rua paralela abaixo e acima. É
tão pequena que não tem supermercado, apenas o mercadinho que vende de tudo, da
verdura até a panela. Nas portas, vê-se boa parte da mercadoria pendurada do
lado de fora. Bola de futebol pra molecada, vassoura de palha caipira e tudo
mais o que não cabe no interior do mercadinho.
É por
essas e por outras que eu prefiro os caminhos diferentes e pouco conhecidos.
Não
admiro uma grande veia ou artéria do coração. Se uma delas entope, são os
pequenos vasos que garantem a irrigação do sangue pelo coração. Eles se
ramificam ainda mais, aumentam seu calibre quando uma veia ou artéria é
obstruída e são capazes de prolongar uma vida. As artérias mais finas, chamadas
capilares, são responsáveis pela troca de dióxido de carbono por oxigênio nos
pulmões, por eliminar as substâncias que o organismo não pode aproveitar
através da urina no rim. No intestino, é nos capilares que os nutrientes são
absorvidos e os resíduos não aproveitáveis são liberados. São os pequenos
tuneis que saem do coração que fazem as extremidades respirarem.
Aprendi,
pelas estradas da vida e pelos caminhos do coração, a não desprezar as estradas
pequenas. Não recuso uma rodovia quando estou com pressa, mas prefiro a estrada
vicinal quando posso escolher. Se não posso pegar uma estrada vicinal, viajo
por dentro das minhas veias vicinais, percorro os caminhos por onde pulsam o
meu coração.
A
rodovia duplicada permite a mão do homem fique na coxa da mulher o tempo todo,
pois o cambio permanece a maior parte do tempo na quinta marcha. Mas somente a
estrada tortuosa e simples estabelece ocasião para a correspondência.
É na
vicinal que a mão da mulher repousa na perna do homem. Ela retribui o carinho
quando as curvas não permitem que ele solte uma das mãos do volante ou tenha
que ficar mudando a marcha com frequência.
| As estradas da vida não são
retas, nem expressas. O caminho é sinuoso, desconhecido e repleto de
obstáculos.
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