sábado, 4 de agosto de 2012

Telejornal é Tortura

Arte de Weberson Santiago



Já faz algum tempo que eu não consigo assistir aos telejornais. Não me sinto capaz de suportar algumas reportagens mostradas nas pautas. Fujo quando vejo a manchete. A preferência que dão a tragédia,  o quanto priorizam a capacidade do ser humano em ser cruel me embrulha o estômago. Se antes zapeava pelos canais para encontrar algum assunto interessante, agora reviro o edredom em busca do controle remoto para não encarar a brutalidade.

Não é porque eu evito o conteúdo da manchete que eu escapo de minhas responsabilidades na vida. Faço malabarismo para atender todas as demandas. Todo dia é um dia de superação. Tive de aprender a sofrer menos com as pendências e a encarar a rotina de uma maneira diferente.

Passei a aceitar que um dia começa com os problemas deixados na véspera, que se somarão aos que surgirem durante o dia e que eu não vou dar conta de todos eles até o final daquele expediente. Concluí que preciso olhar para os que eu consegui resolver ou fazer andar, e não para os que estão parados, pendentes.

O que acontece a minha volta na vida já é o suficiente para eu ter de lidar. Encarar a realidade que está longe de mim no telejornal, sem poder fazer nada, é um fardo pesado demais.

Quando fujo do telejornal não busco o isolamento do mundo, resguardo a minha vida e quem a habita. Ignoro a notícia para salvar a esperança. É uma tática para preservar a minha motivação, para não contaminar minhas ideias, não sujar de sangue meus pensamentos e não retorcer meus sentimentos. A criatividade depende da inspiração e a inspiração não sobrevive se não estiver bem protegida, ou melhor, se não for bem agasalhada.

Lidar com as aversividades da vida é como encarar as noites frias do inverno. É preciso saber como se proteger do que faz mal. Se demorar pra se esconder do vento frio, terá de enfrentar um excesso de incomodo. E, ao mesmo tempo, se ficar escondido com medo do frio, deixará de se expor ao sol do inverno no dia seguinte. Evitar sair de casa após o gélido amanhecer nos faz passar mais frio, já que se perde o calor do sol quando ele já esquentou a rua. Para saber qual é a quantidade ideal de roupa para enfrentar a temperatura, é preciso abrir a janela ou a porta e sentir o clima. Enfrentar as adversidades é saber a hora de se expor, a hora de se esconder e como vai se proteger. 

Por isso optei por me informar pelo jornal escrito. Se o título denota uma tragédia, encerro minha leitura no subtítulo, no máximo passo o olhar pela figura explicativa. Não posso descuidar do meu equilíbrio, preciso dele para terminar o dia satisfatoriamente.

A minha profissão me obriga a ser informado. Sempre sou questionado sobre o comportamento do criminoso, da frieza do assassino, do ponto em que chegou a sociedade. Tudo isso com uma única função. Querem desesperadamente que eu, como psicólogo, garanta que aquilo não vai acontecer com elas ou, pelo menos, ajude a prever algo que permita evitar que aconteça com elas.

Infelizmente eu não posso. Não tenho esse poder. Não está no meu alcance. E se formos olhar de perto, esmiuçar as provas da tragédia da vez, buscar evidências na história de vida, medir a quantidade do sofrimento do ser humano, chegaremos à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas circunstâncias.

Fico sabendo de tudo pelo comentário de corredor, pela opinião de quem assistiu a notícia e só me informo profundamente se tiver de dar uma entrevista sobre o caso. Se não é essa a situação, assumo aqui que eu prefiro não saber dos detalhes. Gosto de ler artigos opinativos de especialistas que comentam e analisam estes casos, mas fujo do boletim de ocorrência ou do inquérito de investigação.

Quando as mazelas dos outros atraem mais que a poesia, a fotografia ou a música, alguma coisa está errada. Buscar na vida dos outros problemas maiores que os nossos pode até trazer alívio na comparação com as nossas dificuldades. Mas isso é perigoso. Gastar a sensibilidade com a tragédia alheia é desperdiçar aquilo que nós temos de melhor em sermos humanos. Pode custar uma felicidade que está disponível ao nosso lado. Ela esteve ali, disponível, mas deixou de estar enquanto você estava preso à notícia sangrenta do telejornal.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Experimente mudar de canal quando a notícia é pesada. Tem curiosidade que não precisa ser satisfeita. O melhor cego é o que não quer assistir.


Publicado no 
Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 04/08/2012, Edição Nº 1211. 

Um comentário:

Rosa Maria disse...

..Gostei dessa também!
Faz tempo que não dou Ibope a noticias ruins.

A vida passa tão rápido!

Saudades!