sábado, 4 de fevereiro de 2012

Águas Passadas Movem Moinhos



Arte de Weberson Santiago




Se você prestar bem a atenção, verá que águas passadas movem moinhos. Sabe quando você reconhece que enfrenta a mesma situação repetidamente em diferentes momentos da sua vida? Não estou falando de deja vu, que é a sensação de ter vivido ou visto a mesma cena em outra ocasião que você não consegue identificar.

Estou falando de quando a vida trás a tona uma mesma maneira de agir, se relacionar, de enfrentar os dilemas e os conflitos. Isto acontece porque temos padrões de comportamento e, por vezes, insistimos na mesma forma de lidar com as coisas, ainda que existam outras formas mais apropriadas. E é aí que eu considero que águas passadas podem mover moinhos.

No curso do rio da vida, minhas águas seguem o caminho e por vezes atravessam o mesmo moinho. Eu bem que gostaria que as águas saíssem da nascente e fossem sempre em frente, até que um dia moressem no mar. Só que eu descobri que no percurso da vida é preciso vencer alguns impedimentos através da constatação de sua repetição.

Se o obstáculo for um tronco, tudo é simples. As águas passam por cima, ou por baixo, ou pelo lado. Mas se o empecilho for uma pedra dura, é preciso aguentar a dor de cabeça pra bater na pedra até que ela fure.

Ao ser lançada como um raio, a verdade trás nuvens negras e carregadas. Quando as tempestades se anunciam, tenho medo do poder das minhas águas. Sem muito esforço me vejo como o responsável pelo desastre. As águas que empurram os peixes e movem os moinhos podem levar consigo montanhas com casas. O mundo é mais catastrófico do que a gente gostaria que fosse e isso depende diretamente de nossas escolhas. Parece difícil aceitar como lidamos com o incontrolável e com o imprevisível. 

As tempestades caem e as nuvens vão se esvaindo, se dissipando em chuva até que se aviste um primeiro pedaço do horizonte. Em meio aos primeiros raios de sol, percebo que a água que caiu  fez o rio transbordar. É a consequência do excesso. Descubro pelas águas que caíram que sou exagerado, dramático e enfático demais quando passo pelo temporal.

Quando o rio começa a baixar, ficam as poças. As poças são as cicatrizes que restaram do transbordar do rio da vida. As águas que não fazem mais parte da corredeira e estão represadas na solidão, isoladas à míngua. Só restará aguentar o calor do sol e evaporar.

Não importa que águas passadas movam os mesmos moinhos, se foi alterada pela experiência de passar por cada caminho. Se aprendeu conforme se transformou nos seus estados característicos. Ora! A água passada que move um moinho novamente não e a mesma água.

Quando eu estiver no estado líquido, que escorra por onde o vento e a terra me levarem. Que eu não derrame meus sonhos e possa ser contido quando precisar que alguém me represe. Quando o calor me transformar em vapor, que eu não me perca pela atmosfera, não esqueça das raízes que me absorveram e me levaram ao alto da mais verdejante folha. Que no estado gasoso não seja apenas como o ar quente, que só aceita ficar por cima. E ao passar pela estação das nuvens, que desembarque o medo e embarque a inspiração. Quando minhas águas congelarem, que possa ser sólido, mas não gélido.  

Aproveitei as águas passadas para lavar a alma e agora estou na espreita de descobrir novos e velhos moinhos.


 UM CAFÉ E A CONTA!
| Esta crônica é um exemplo de água passada que volta a mover um moinho. Começou a ser escrita há exatamente um ano e, terminada, irá desaguar por aí.

3 comentários:

Raquel dos Cabelos Cor de Mel disse...

Ei!
Adoro esse blog mesmo assim...rsrsr
Sempre alimento os bichinhos daqui XD
Abração

Raquel Corteze

Anônimo disse...

Já estava com saudade de novas linhas...Foram quase trinta dias de férias!
E sim, águas passadas movem moinhos, principalmente a água ardente que nos alegra, consola, acalma, faz esquecer e entre tantas outras coisas nos fazem rodar feito moinhos ao vento.
Bento, lento, tento, roda tanto que invento.
Abraço amigo...

Markinhos Machado

Augusto Amato Neto disse...

Raquel, que boa notícia saber que também é visitante frequente desta minha outra sala. Obrigado pelo carinho. Beijos
Markinho, férias merecidas depois de um ano de coluna de jornal não acha? Se eu te contar que continuei escrevendo durante este mês você acredita? Abri uma frente para ir trabalhando mais em cima de cada texto que será publicado aqui. Aguarde as novas linhas... Obrigado pela visita!
Abraços,
Augusto.