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Arte de Weberson Santiago |
Acordamos discutindo por conta do lençol. Eu lhe acusava de ter puxado e
me deixado descoberto. Ela me culpava pelo mesmo.
A verdade é que passamos a noite como num cabo de guerra. Eu puxava de
cá e ela puxava de lá. O vento frio entrava pelas frestas da veneziana e a
satisfação não podia ser mútua. Se um estivesse coberto, o outro ficava
desprotegido.
Nessa disputa pela coberta, pelo edredom ou pelo lençol ninguém se
reconhece como o culpado. Você acorda, acende a luz do celular e espia o outro
enrolado no lençol como se estivesse em um casulo, mas ao acordar e jogar na
cara a cena vista, ele nega. É a mesma história que acontece com o ronco. No
casamento, ninguém admite que puxa o lençol e ninguém assume que ronca.
No namoro ninguém passa frio, mesmo se tiver uma toalha de rosto como
cobertor. No casamento, um lençol king size trezentos fios acetinado não é
capaz de aquecer o casal ao mesmo tempo. Parece até que o lençol vai encolhendo
durante a noite, conforme a temperatura cai.
Eu, o prático da casa, propus que adotássemos o costume de cada um usar
o seu lençol. Pronto, acabava de incendiar a discussão. A mulher me acusou de
ser individualista e antirromântico pela minha desistência precoce em dividir a
coberta. Acusou-me de aceitar facilmente a quebra da cumplicidade.
Cobrou-me que lutasse pela continuidade do funcionamento como casal.
Lembrou-me que ela é a única que vive a esticar o lençol pela manhã e por todas
as vezes que ele fica embolado. Eu não fui capaz de contra argumentar.
Logo fiquei convencido de que a desistência é o caminho mais fácil, mas
que desistir nem sempre é o melhor caminho.
Foi quando me lembrei daquelas noites em que eu estava extremamente
cansado e incapaz de reagir ao frio nos pés. Me veio à cabeça o prazer que eu
tive quando senti que ela havia percebido que eu estava descoberto e feito a delicadeza
de me cobrir.
O nosso erro não estava em dormir com um lençol. O nosso erro estava em
se preocupar mais consigo próprio do que com o outro. Ao invés de ficar
vigilante para quando me faltasse a coberta, deveria ficar atento para quando
eu posso cobri-la. E ela o mesmo. Não iremos aumentar a nossa preocupação,
apenas mudar o foco com o que se preocupar. Não é tão complicado assim.
Quando sua maior preocupação for a de cobrir a si mesmo, o que você
precisa mesmo é redescobrir a gentileza.
| O maior
impedimento para se estabelecer uma relação de parceria é o individualismo.
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