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Foto de Augusto Amato Neto |
Anelise chegou da escola preocupada naquela segunda-feira que antecedia
o Dia dos Pais. No caminho da escola para casa dividiu com a Natália a sua
preocupação. Contou que a professora havia lhe dado apenas um papel para
desenhar o pai e que seria entregue no dia da comemoração de dia dos pais da
escola.
Ela considera que tem dois pais: o pai biológico e eu, o de consideração
por estar com a Natália desde que ela era pequenininha. Mesmo que a Natália tenha
enviado o valor referente ao pagamento dos dois pais cerca de dois meses antes
do ocorrido, a professora não aceitou a alegação da Anelise:
- Mas eu tenho dois pais! – disse ela.
- É que só pode um! – respondeu a professora.
Anelise estava preocupada pois havia convidado os dois e um de nós
ficaria sem cartão. Para acalmá-la emergencialmente enquanto a Natália e eu
pensávamos em como iríamos resolver o problema, disse que poderia ficar sem,
que eu não me importaria de que só o pai Alex recebesse o desenho. Não adiantou
muito, ela continuou insatisfeita.
Há cinco anos estudando na mesma escola, sempre vamos os dois na festa
de dia dos pais e nunca tínhamos passado por um problema deste tipo. A Natália
escreveu um bilhete muito educado para a professora, mesmo que tenhamos nos
sentido agredidos pela desconsideração de que nossa família é assim e funciona
assim, buscando conviver em harmonia por conta da pequena.
Embora tenhamos ficado incomodados também pela frieza com que a
reinvindicação da Anelise de mais um papel para desenhar o outro pai tenha sido
recebida, resolvemos ser práticos e objetivos. Natália escreveu que havia
mandado o dinheiro e pediu se ela poderia fazer o favor de entregar outro papel
para a Anelise pintar. Na terça, a professora lhe entregou outro cartão depois
de confirmar o pagamento na secretaria. A Anelise ficou tão feliz que levou uma
bolinha de gude de sua coleção de presente no dia seguinte para a sua
professora.
Então, chegou o sábado e a comemoração do Dia dos Pais da escola. Nos
encontramos na quadra da escola às dez da manhã. Cada pai deveria trazer um
brinquedo para interagir com o filho e cada pai ganhou um kit piquenique para
ele e a criança. A maioria trouxe uma bola. Eu, que nunca havia empinado uma
pipa na infância, providenciei uma. Assisti um tutorial no youtube sobre como
fazer o cabresto e o fiz, mas não me atentei e fiz no lado contrário, verso
branco do papel. O Alex corrigiu. O professor de Educação Física fez um
alongamento e saímos em direção ao clube, onde poderíamos brincar.
Fomos conversando. Anelise era a única criança da escola acompanhada por
dois pais. Embora muitas crianças da escola vivam a mesma coisa que a Anelise,
apenas um acompanhava a criança: ou o pai biológico ou o atual marido da mãe. A
Anelise quis comer assim que chegou.
Tivemos a sorte do clima ter sido favorável: um belo dia de sol e vento
suficiente para empinar a pipa. Como eu nunca havia soltado uma, me coloquei na
posição de aprendiz e deixei que o Alex ensinasse a técnica.
A felicidade da Ane foi a melhor parte do passeio. Como ela ficou
radiante, na primeira vez que soltou uma pipa, em ver a sua lá no alto e de
estar acompanhada por duas pessoas que ela ama. O passeio estava tão agradável
que ela quis comer mais, sentamos no quiosque de novo e ficamos jogando
conversa fora. Quando olhamos ao redor, eramos só nós três. A comemoração terminava
onze e meia e já era quase meio dia.
No fim, tudo deu certo. Percebi que vale a pena deixar o orgulho, a
vergonha e o medo de lado para fazer o que é melhor para a Anelise. A primeira pipa,
a gente nunca esquece.
| A
escola ainda tem dificuldade de aceitar o diferente, mas com jeito, o
diferente cabe.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 06/08/2016, Edição Nº 1419.
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