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Arte de Weberson Santiago |
Vivo
fazendo um malabarismo para que os alimentos nunca acabem na hora errada. Não
gosto de ser pego de surpresa descobrindo, na hora que eu iria comer, que
alguma coisa acabou.
Se tenho
pouco tempo disponível para ir ao supermercado, as poucas vezes que eu vou tem
de garantir que nada vai faltar.
Menos do
que meia caixa de litros de leite, e isso significa 6 litros, é a mesma coisa do
que não ter leite. Um bocado para mim já é nada. Dois potes de iogurte é não
ter iogurte. Três fatias de presunto é não ter frios na geladeira. Um naco de
queijo fresco é o mesmo que não ter queijo.
Fico
antecipando o fim, por medo de realmente faltar. Depois que substituí o que
está acabando, aí sim me permito terminar com o resto.
Tem
gente que acha que geladeira é um livro. Fica folheando as prateleiras para ver
se encontra alguma vírgula para dar um tempo no que tem pra fazer. Eu não. Ao
invés de procurar um lanche, percorro as páginas da geladeira procurando um
espaço vazio entre os alimentos para preencher, uma reticência em três últimos
grãos de uva passa que me suscite comprar mais uvas passas.
Busco
inspiração nas lacunas da geladeira e procuro logo um bloquinho para fazer uma
lista de compras poética e partir a preencher os vazios.
- 1 Kg
de tomates desesperadamente vermelhos para virar molho.
- Um
pedaço de queijo chique ou metido a besta para beliscar enquanto o jantar de
sábado termina de se arrumar.
Alimentos
mutilados em nome de uma vida saudável:
- 1 pacote
de pão de forma integral light, 1 bandeja de iogurtes desnatados, 2 litros de
leite de baixa lactose, 1 pacote de café descafeinado, 1 pacote de sal light
que não salga.
Alimento
saudável tem que sofrer da falta de algum ingrediente.
Se me
incomodo com o que pode acabar, também fico impaciente com o excesso. Não gosto
de ver restos de comida espalhados em potinhos plásticos pelos cantos do
refrigerador. Por isso, vivo em busca da porção ideal para não sobrar, ou se a
comida for muito gostosa, para servir duas refeições sem resto. O desperdício
dói.
Conheço
geladeiras que mais parecem uma reserva de mantimentos, pronta para enfrentar
qualquer tipo de catástrofe. Se um meteoro cair na terra agora e a distribuição
de alimentos cessar totalmente, este tipo de família sobrevive três meses com a
comida acumulada no refrigerador.
Minha
obsessão é evitar o fim e o excesso. A desculpa é manter o essencial.
Ter na
geladeira o suficiente de cada coisa sem deixar faltar nada. Eu sei que ter
escolhido essa missão não me faz o melhor provedor, nem é isso que me faz ser o
marido mais fiel. Também não me torna o mais gentil dos cavalheiros ao
respeitar o gosto das minhas meninas nas compras.
E por
mais que eu tente não ser insosso trazendo uma coisa gostosa e diferente de vez
em quando, pode ser que a mania da reposição seja cansativa, já que desde que
eu me casei não permiti a solidão da margarina fazendo companhia à indiferença
da água gelada.
De uma
coisa eu não tenho dúvida. Se um dia a minha geladeira ficar vazia é porque eu
desaprendi a ser família.
|Mostre-me o conteúdo de sua geladeira e eu te direi quem você é.
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