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Arte de Weberson Santiago |
Quarta feira de cinzas, 14 horas, dia chuvoso de fevereiro.
Hora marcada para a reunião dos integrantes do “No Comando do Seu Peso”, um
grupo que se encontra com o objetivo de incentivar a “eliminação” de quilos indesejados.
Cristina é a presidente da reunião, comanda o grupo, leva materiais para
discussão e acompanha os resultados da balança. Algo discreto. Sobe-se no
pesadouro em frente aos demais presentes.
O que importa a tal privacidade se Cristina conseguiu
“eliminar”, como ela própria diz, 45 quilos sem cirurgia? Cada membro novo que
chega às reuniões, ela exibe a foto de um passado obeso. Aquela foto que
durante muito tempo ela tinha horror só de imaginar, hoje usa como medalha
pendurada no pescoço. O programa americano adaptado no Brasil diz que o líder
deve ser um exemplo de comportamento.
Depois de mais de uma hora de palestra temática para aprender
a diferenciar a “fome física” da “fome compulsiva”, o que segundo Cristina “é a
chave do sucesso”, abre-se espaço para quem quiser falar. O momento que precede
a pesagem mais parece um confessionário de farras alimentares.
Tereza, 43 anos, casada, 2 filhos que moram em outra cidade,
112 Kg, pede a palavra: “Sempre gostei de carnaval. Esse ano eu fui assistir ao
desfile das escolas de samba da cidade. Meu marido, como sempre, não quis me
acompanhar. Os meninos foram viajar com os amigos. Então chamei e Kelly, minha
vizinha, e fomos pro sambódromo. Como na semana passada aprendemos a nos
preparar para quando saímos da rotina alimentar, peguei uma sacola térmica e
coloquei os lanches do jeito que mandava a dieta. Aí, tivemos que chegar cedo
pra pegar um bom lugar. Esperamos na fila no meio de um monte de gente e quando
olhei para o lado, cadê a sacola de comida? Algum esfomeado ficou de olho e
pegou quando me distraí com o aquecimento da bateria. Aí, sabe como é, né?
Aquela vaca da Kelly, magra de ruindade, ficou do meu lado comendo tudo o que passava
vendendo. Era churros, pastel, pipoca, amendoim... Eu fiquei lá mais de 12
horas, como não ia comer nada? Mas eu tentei controlar a quantidade...”.
Marcos, 52 anos, solteiro, 169 quilos, interrompe dizendo: “É
por isso que eu não gosto de carnaval, uma bagunça, aquele povo bêbado, aquela
pouca vergonha. Não vou a um lugar desses nem me pagando. Fiquei o feriado todo
em casa. Assisti alguma coisa pela televisão, até porque só passa isso. Na
segunda, eram três horas da manhã, aquele desfile sem fim e a narração sem
graça da TV, começou a me dar uma fome... Não compro mais doces, pra não ter
recaídas nessas horas. Como não tinha nada de sustância, me deu vontade de
comer caqui porque eu tenho um pé em casa. Fui lá no fundo e matei minha
vontade: comi três dúzias de caqui”.
Em meio às risadas incontroláveis e patéticas, Maria, 37
anos, deprimida e solitária com seus 143 quilos: “Eu não vejo graça nessa
história do caqui. Até acho que vocês dois deveriam comemorar. Um não queria
sair e ficou em casa. A outra não deixou de fazer o que queria. Meu carnaval
foi mais trágico que isso, essa data completa 12 anos...”. “Que o seu namorado
te largou, abandonou sem muitas explicações e levou tudo o que você tinha, não
é, Maria?”, antecipa Marcos. “Sei que vocês já estão cansados da minha
história, mas eu nunca me senti tão sozinha. Não sei onde eu achei forças para
ir até o salão de festa do condomínio, onde todo ano fazem uma matinê. Bem que
tentei paquerar por lá, mas o único homem desimpedido era o Seu Joaquim,
aposentado e viúvo de 78 anos. Resumindo, já que vocês sempre ficam irritados
com as minhas histórias: esse meu carnaval teve confete e serpentina. Enchi a
cara de chopp na festa do condomínio e terminei a noite comendo chocolates coloridos
no sofá da sala, sozinha”.
“Que tal vermos como cada um está em relação a sua meta,
pessoal?”, diz Cristina.
| Se o ano começa depois do carnaval, deixa eu me apressar que agora
é pra valer. Pelo menos até o próximo feriado.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 16/02/2013, Edição Nº 1239.
