
sábado, 26 de março de 2011
Crônicas de Padaria

quarta-feira, 23 de março de 2011
sexta-feira, 11 de março de 2011
A Construção e a Paciência


Quando me dispus a encontrar uma casa pra morar sozinho relatava aos corretores a necessidade de um mínimo de verde no imóvel. Ao menos um pedaço suficiente para que eu pudesse deitar e ver o céu.
Pensei que a procura tinha chegado ao fim quando encontrei o espaço ideal, seis cômodos espaçosos, fachada simpática de casa antiga e um pedaço de terra no quintal, sem nenhuma planta. Na primeira visita enxerguei um gramado, mas na primeira negociação com a dona acabei com enfado. Ela queria colocar cimento no pouco de terra que restava e eu, que enxergava a cama de grama como cômodo adicional, me recusei a fechar o contrato.
Foi então que encontrei aquela que se tornaria a minha primeira casa. O número de quartos e seus tamanhos eram ideais, mas o matagal que tomava conta do quintal me fez criar a urgência da assinatura. Havia sido mordido. Não por um inseto, mas pela imagem de um jardim em um sonho acordado. E quando o mosquito da criatividade me morde, enxergo apenas o produto final e não me importo com o trabalho da execução.
Aprendi que tudo o que se faz com as próprias mãos, custa mais barato e descobri que a desculpa do preço é o vício do preguiçoso. Mordido pela ideia, imaginei uma pérgola de eucalipto com uma bela trepadeira fazendo sombra para uma mesa em cima de seixos no chão. Não contente com a ideia, resolvi desenhar o meu primeiro projeto de construção.
O primeiro passo foi contratar um jardineiro para limpar a bagunça tão logo assinado o contrato. Debaixo do matagal havia um pé de acerola, três roseiras, algumas folhagens verdes e uma planta não identificada. Decidimos, o jardineiro e eu, não retirar a prova da história de quem ali morou. Ganhei da avó o tapete de grama e desde então regava meu colchonete para que virasse uma cama box.
Engana-se aquele que pensa que o interessante desta história é a ideia ter virado realidade. Não é o antes e o depois que me deixam cheio de orgulho, mas cada lição que eu tive durante a execução, que demorou exatamente um ano. O jardineiro não foi o único parceiro da empreitada. Para escavar um metro de chão e colocar de pé os seis troncos de sustentação, contei com a ajuda do amigo César. Quando o caminhão depositou as pedras de rio na calçada, aproveitei-me da mão-de-obra do amigo Coruja, que tendo furado comigo em um dia marcado, fez questão de ajudar no carregamento de dez carriolas até o quintal do fundo, tendo chegado para a tarefa com um fardo de cerveja para comemorarmos a conclusão.
Uma das coisas mais surpreendentes foi a tal planta não identificada. Logo após o plantio da grama, suas folhas começaram a secar. Diante da possível perda da planta, eu me abalei, achando que não era capaz de cuidar de um jardim. Insistia na água, mas as folhas não brotavam. E quando já havia desistido há vários meses daquela “batata” enfiada na terra, fui pego de surpresa com as folhas crescendo.
Ia passando do quarto do fundo para a casa quanto tomei um susto. De um dia para o outro subiu uma haste no meio das folhas. E no outro dia, ao acordar, me deparei com cinco lírios brancos de pétalas com o centro arroxeado. Compreendi a lição. Ela esperava o momento mais propício. E eu querendo que ela crescesse no meu ritmo. Uma planta esquisita me ensinando que a consideração e o cuidado não devem vir acompanhados da cobrança.
E é ali que eu passo boas noites em conversas sem fim, que eu vivo aqueles encontros de um farto churrasco, onde eu podo, planto e rego. É onde eu faço a transição entre as jornadas e o chegar em casa, onde eu rolo na grama e ralo o joelho, é o lugar que eu construí para me educar a ter paciência.
quarta-feira, 2 de março de 2011
QUANDO A FAUNA INVADE A CASA OU O SER HUMANO INVADE A FLORA

Constatei que estou sendo vítima do Movimento dos Insetos Sem Terra. Em menos de quarenta e oito horas encontrei um escorpião amarelo, uma barata, duas espécies de lagarta e uma infinidade de mariposas no teto da garagem. Estou preocupado com as pacíficas lagartixas. Parecem estar entrando em extinção ou se recusam em entrar em movimentos de esquerda. Na política aristocrática da natureza a lei em vigor é aquela do mais forte sobre o mais fraco.
Há um ano fui vítima da mesma invasão e contratei a empresa de dedetização. O dedetizador é o oposto da polícia ambiental: qualquer coisa menor de trinta centímetros que ande deve ser exterminada. Com o serviço feito, retomei meu latifúndio. Vencendo o efeito do veneno, fui vítima de uma segunda tentativa de êxodo rural. Quando a fauna invade a casa, boa coisa não dá. Agora estou planejando a segunda chacina para impedir a reforma agrária da minha própria moradia.
Se o inseto se dá o direito de explorar o mundo do concreto, o ser humano se mete a experimentar o meio do mato. É o mundo dos descontentes na busca do equilíbrio, partindo da manutenção da própria sobrevivência.
Quando o ser humano invade a flora, boa coisa não dá. Precisava de uma cômoda no sábado e fui à busca de um móvel usado. Achei na cidade vizinha, onde mora a namorada. Porém, a loja fechava às três da tarde e tive de buscar o móvel mais cedo. Teria duas horas até que ela saísse do trabalho e estava com a cômoda ocupando o banco traseiro e o porta-malas. Resolvi ir até a chácara de um amigo para esperar dar a hora.
Enquanto esperava o tempo passar na conversa, começou a cair o maior pé d’água. Quando decido partir de volta para a cidade, vem o medo do atolamento. O desafio era uma baixada. Aproveitar o embalo da decida para tentar dar conta da subida. E nos três metros finais, sim, a roda encravou. O carro, a cômoda e eu em meio ao lamaçal. E a chuva sem sinal de trégua.
Ao lado de onde atolei havia duas casinhas brancas ou, se preferirem, duas mocoquinhas. Na janela de uma delas um senhor de cinquenta anos e, na porta, um menino de onze anos. Quando contei do atolamento, o mais velho disse:
- Acontece muito aqui, mas você é o primeiro a atolar nesta subida. Ela é nova, vão derrubar essas casas pra criar loteamento. Nós vamos ter que alugar outra por aqui na região. Se teu carro tiver parado lá embaixo, só com o guincho.
Tremendo com a possibilidade de voltar pra casa sem carro e sem cômoda, avisei que o atolamento se dera mais pra cima. Me ensinaram que fácil é desatolar fusca porque tem tração traseira. Minha esperança foi sendo renovada na tranquilidade e experiência da dupla. A estratégia era colocar pedras na frente da roda dianteira e ir subindo o carro de metro em metro. E deu certo.
- Ajudamos gente atolada toda semana, ontem mesmo atolou um praquele lado – explicaram os especialistas.
Em pleno sábado à tarde, sair na chuva para ajudar alguém com necessidade não é empreita para qualquer um. Com lama dos pés à cabeça, constatei que e aventura era novidade apenas para mim.
Quando o carro arrancou em terra firme coloquei a cabeça pra fora do carro e gritei:
- Eu volto para agradecer, pode esperar. Mas eu só venho quando estiver aquele sol.
Pensando bem, quando o ser humano invade a fauna e a flora, boa coisa pode dar.