Quando a Natália e eu fomos montar a primeira sala de atendimentos de
psicologia só nossa, sem compartilhar com mais nenhum outro profissional,
escolhemos cada um dos móveis com muito cuidado. Cheguei até a fazer uma planta
no papel e recortar os móveis em escala para ver quais combinações ocupariam
melhor no espaço.
Era a primeira vez que não usaria poltronas idênticas em minha sala de
atendimento, o que foi usado na minha primeira década de clínica como
estratégia de promover igualdade numa relação que nunca é igual, já que somos
os especialistas que supostamente sabem de tudo e até chegamos a ter, na
imaginação dos clientes, a capacidade de ler seus pensamentos e sentimentos,
enquanto o cliente é alguém em sofrimento e, por isso, em situação vulnerável.
A psicoterapia é uma relação humana de troca. Para que possamos ajudar
alguém, precisamos nos aproximar e criar um vínculo, o que chamamos de relação
terapêutica.
Como resultado de um amadurecimento profissional, havia decidido que
deixaria a responsabilidade de acolher e propiciar uma boa relação terapêutica “somente”
à minha postura profissional e às minhas estratégias terapêuticas ao invés de
confiar na simetria das poltronas como ingrediente essencial. Escolhemos uma
poltrona confortável para o terapeuta e um sofá bem espaçoso e aconchegante
para os clientes.
Quando os móveis foram chegando na nova sala, constatei que a poltrona
Charles Eames que escolhemos para o terapeuta era um tanto quanto mais baixa do
que o sofá dos clientes. Isso me incomodou. Fiquei incomodado com a diferença
de altura porque gosto de olhar de igual para igual para com meus clientes.
Após os primeiros atendimentos, comentei com a Natália que estava
cogitando mandar fazer uma estrutura de MDF para colocar a poltrona em cima e
elevar a sua altura.
No dia seguinte a Natália me disse que considerava que a poltrona não era
menor por acaso. Que ficar em um patamar abaixo da altura do olhar de nossos
clientes poderia ter algumas vantagens. Questionei quais eram. Ela me disse que
as pessoas que chegam deprimidas tendem a ter um olhar mais cabisbaixo e uma
perda do tônus muscular na postura. Estarmos em um nível mais baixo nos
permitiria observar melhor as expressões faciais e manter contato visual com
estes clientes. Além disso, defendeu ela, aquelas pessoas muito egocêntricas e
arrogantes – popularmente chamadas de “nariz em pé” – seriam obrigadas a “baixar
o nariz” para receber nossos feedbacks.
Refleti e dei razão a ela. Percebi que eu queria mudar, mas estava
inseguro com o risco da mudança, com medo de lidar com o diferente e com dificuldade
para aceitar o novo. Embora esses sentimentos nos acompanhem em qualquer situação
de mudança, precisamos passar por eles para conseguir mudar.
Se eu quero que meus clientes mudem de comportamento, fico em melhor
posição de ajuda-los nesse processo quando também sou capaz de mudar e lidar
com as consequências da mudança.
| O autoconhecimento é uma via de mão dupla. Quando eu ajudo o outro
a se conhecer, passo a conhecer melhor como posso ajudar.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 08/09/2018, Edição Nº 1528.
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