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Arte de Weberson Santiago |
Como uma palavra que carregou tanto significado pode se tornar
banalizada? É o que vivo a me perguntar, inquieto e inconformado.
Tome como primeiro exemplo a palavra amor. Amor é uma palavra que tem
tanto significado que no meu dicionário é definida de vinte formas diferentes
ou complementares. Só que, com tanto significado, por poder ser utilizada em
tantos contextos onde cabem sentimentos entre as pessoas, acabou por ser
esvaziada de afeto.
Chama-se qualquer um de amor. Usa-se “amor” como pronome à exaustão. Não
estranhe se, na fila do banco, perceber que a pessoa que estava a sua frente
venha a chamar o gerente do banco de “amor”. E não pense que se trata da mulher
dele, nem da amante. É o excesso de intimidade. É uma sedução indecente.
Tenho dó dos românticos de antigamente, que buscavam viver o amor em sua
essência, em profundidade e em todo o seu significado. Devem estar se revirando
nos túmulos. Amor virou palavra sem cor, sem sabor, sem cheiro.
Como o “Oi, tudo bem?”, seguido do “Tudo e você?”. Ninguém quer saber,
de fato, se o outro está bem. “Oi, tudo bem?” quer dizer “Percebi que você
existe e estou lhe mostrando isso.” “Tudo e você?” quer dizer “Também notei sua
presença.” Nada além disso. Duvida? Diante da primeira pergunta, diga que não
está nada bem e comece a contar. O outro tentará se desvencilhar de suas
queixas o mais rápido possível.
E o “querida” ou “querido”? Esse tratamento, de tão batido, acabou
ficando com o significado oposto. Desconfie de quem te chama de querido. Ele ou
ela não te querem de verdade. Eles querem que você pense que eles lhe querem
bem, para que você faça algo ou concorde com algo. E nada além. Chamar de
querido é ludibriar utilizando-se da fachada de ternura.
Quando alguém chama o outro de querido, usa-o como um subterfúgio para
estabelecer intimidade rapidamente. Um exemplo desse uso é o que Tom Jobim fez
na letra de “Querida”. Ele chama de “querida” a mulher que ele não soube
valorizar quando a tinha e repete o “querida” tentando dissuadi-la a dar bola a
ele novamente, ainda que assuma ser um amor bandido e fingido.
Como último exemplo trago o “bem”. Nada é mais irônico do que o “bem”
encaixado no começo, meio ou fim da frase. “E aí, bem?”, imagine acompanhado do
sorriso amarelo. “Coloca ali em cima, bem!”. “Não, bem! Não é assim que era pra
fazer...”.
O uso de expressões de afeto com a função de apaziguar o impacto, de aproximar-se
com interesses e para agradar o outro é algo que me incomoda. E o que me
incomoda nesta questão é que, se o interesse não é claro e aberto, as pessoas
podem ser enganadas e levadas a agir sem perceber que o estão fazendo desta
forma.
Observe mais. Desconfie, mas sem se tornar persecutório.
| Se a
atitude esconde alguma segunda intenção, não é bom se deixar relaxar no
relacionamento. Quando perceber, já terá sido levado.
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