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Arte de Weberson Santiago |
Foi pelas redes
sociais que eu vi o que aconteceu. Uma amiga fotografou e cena e postou. Um
motorista havia entrado na ponte Euclides da Cunha ao mesmo tempo que os carros
do outro lado. Mesmo não tendo ninguém atrás dele, recusava-se a dar ré e pedia
que todos os outros saíssem.
Ninguém mudou o carro de lugar. Os gritos proferidos pelas
janelas e os dedos em riste visíveis pelo vidro esquentaram os ânimos. Portas
se abriram e a discussão continuou do lado de fora dos carros. A briga foi
ficando feia e o trânsito pela ponte impedido por dez minutos.
A
confusão na ponte Euclides da Cunha me incomodou profundamente. Sem dúvida a
ponte é um patrimônio histórico de valor inestimável e de beleza
inquestionável, na firmeza de suas colunas metálicas e na robustez de suas
bases de pedra. Com o recente restauro, retomou a cor prateada que lhe permite
ornar melhor com a paisagem e recebeu iluminação noturna.
A
despeito de tudo isso, na minha opinião o maior legado da ponte Euclides da
Cunha não é o progresso que ela trouxe para a cidade ou o fato de ter vencido
as correntezas do Rio Pardo e se perenizado no tempo. Para mim, a maior herança
deixada por Euclides da Cunha pela sua ponte é o exercício diário de gentileza
que ele impôs sobre quem a usa.
Diz a
regra, nunca explicitada em placa ou em campanha educativa, mas perpetrada
através das gerações que: “Ao chegar na entrada da ponte e avistar algum
veículo parado do outro lado, dê a passagem e espere a sua vez”.
A
impressão que eu tenho, com o episódio da briga, é que a sociedade andou para
trás na arte do relacionamento humano. Cultivamos demais o individualismo e nos
esquecemos da importância do altruísmo. Colocamos nosso próprio umbigo num
pedestal e esquecemos do significado da empatia.
Falo na
primeira pessoa no plural, pois confesso que já acelerei para alcançar o fim da
fila para não ter de esperar, ignorando a regra número um que regula o uso da
ponte. Ainda assim, jamais seria capaz de brigar se desse de cara com a
carreata no meio da ponte. Tomado pela vergonha de não ter sabido esperar,
tentaria sumir por um dos vãos da ponte levando comigo o meu carro.
Espero
que a gentileza, quando foi jogada da ponte, não tenha se estatelado numa pedra
do Rio Pardo. Espero também que, ao estabacar-se de modo espetaculoso nas águas
do Pardo, não tenha morrido e que careça apenas de cuidados médicos e
tratamentos. O espero porque no dia em que formos obrigados a instalar um
semáforo na ponte pela incapacidade de convivermos e nos controlarmos por si próprios,
aí a gentileza não irá aguentar. Morrerá num infarto fulminante.
| É necessário treinar a gentileza para que ela seja mais forte do
que a tendência de pensar em si mesmo em primeiro lugar.
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