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Arte de Weberson Santiago |
Em datas festivas, a família do meu pai tem o costume de comer cabrito
ensopado. O preparo é longo. O molho vermelho com azeitonas pretas fica dias
cozinhando até que a carne comece a desmanchar e a desprender do osso. Come-se
com arroz branco e batata palha, tudo feito em casa.
Apesar de ainda preservarmos a tradição de comer cabrito, fiquei
incomodado com uma diferença que eu percebi no prato com o passar dos anos.
Parece-me que o cabrito não tem o mesmo sabor da minha infância. A receita é a
mesma, a cozinheira é a mesma que repete o mesmo passo a passo do caderno de
receitas manuscrito de minha avó há vinte e cinco anos.
Fico buscando motivos para explicar essa perda de sabor. Suponho que é a
falta da supervisão de minha avó durante a cocção. Talvez seja a sua morte o
motivo da mudança no gosto do cabrito. Não sei. Fico em dúvida se é realmente
este o motivo.
Todas as vezes que viajo para o litoral, para onde ia desde pequeno com a minha família,
faço questão de visitar os restaurantes que costumávamos frequentar. A pizzaria
melhorou, e muito. O tradicional restaurante de pescados e frutos do mar
continua impecável, preservou exatamente o mesmo preparo e sabor. Já a
churrascaria, que era conhecida por servir carnes na brasa acompanhadas de um
molho secreto de cebola e ervas em um longo balcão resolveu ampliar o espaço,
mas não conseguiu conservar o sabor.
O molho não surpreendeu pelo toque final do paladar, parecia que faltava
um ingrediente. A carne aparentava não ter sido realmente feita na brasa.
Suponho que eles tenham trocado o carvão pela churrasqueira a gás, tendência
que vem fazendo com que pizzarias e churrascarias deixem seus pratos com cara e
gosto de genérico.
Temo ser impiedoso e penso: “será que não fui ao estabelecimento em um dia
ruim de serviço?” ou “será que a perda de sabor não se deve ao meu estado de
humor do dia?”.
Não é possível repetir um mesmo costume para manter a tradição e esperar
que a repetição resulte sempre no mesmo sabor. Talvez o sabor de um prato seja
a somatória de diversos ingredientes, aqueles usados no prato e aqueles que
estão ao redor da mesa, do contexto de fora da sala de jantar e da casa ou do
salão e do restaurante.
Se a repetição não produz o mesmo sabor, penso que não devo lamentar o
final de uma tradição. Devo utilizar do incômodo com o prato insosso para
experimentar outros sabores. Percebi que talvez seja a hora de mudar de
costume, para quem sabe produzir uma nova tradição.
Foi o que eu fiz quando não gostei da última vez que fui na churrascaria.
Fui conversando e pedindo indicações até que descobri um ótimo restaurante. A
próxima vez que for lá, quero provar outro prato.
A repetição de um costume constrói uma tradição, mas nem toda tradição é
eterna.
| É
variando a escolha que descobrimos novas fontes de prazer.
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