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Arte de Weberson Santiago |
Quando eu tinha oito anos, meu avô Augusto Amato – então com 72 anos – organizou
uma viagem para Santos com todos os seus netos homens. Eram quatro: Alexandre
(14 anos), Gutinho (12), meu irmão Caio (6) e eu.
Era uma tentativa de criar um “Clube do Bolinha” com os homens da família,
mas a viagem foi marcada por uma série de apuros para o meu avô. E foi
justamente o que saiu fora da programação o que fez a viagem ser engraçada e
inesquecível.
Os primos mais velhos eram adolescentes e só queriam descer pra frente
do prédio pra paquerar e não colaboravam em nada. Meu irmão Caio só gostava de
misto quente e lasanha e meu avô havia programado sopa de ervilha – de saquinho
– para alguns jantares. Quando estavam todos os primos, uns enchiam o saco dos
outros e às vezes saía alguma briga. Meu avô que já era careca, perdeu mais alguns
fios de cabelo naquela semana.
A trégua vinha quando ele armava o guarda-sol na praia e cada um fazia o
que queria. Ele abria o jornal e tinha sua hora de sossego. Numa dessas
situações, resolvi tomar um banho de mar e sentei onde a água pegava na minha
barriga. A correnteza foi me levando para o lado e quando dei por mim não
localizava mais o guarda-sol com meu avô embaixo e o jornal aberto. Era alta
temporada, havia muita gente na praia. Localizei um salva-vidas, expliquei o
que havia acontecido e ele pediu que eu descrevesse como era o guarda-sol.
Fomos caminhando na praia até que eu avistei a família e o salva-vidas esperou
de longe que eu chegasse até lá. Como meu avô continuava concentrado no jornal,
nem contei o que havia acontecido. Só o revelei em um almoço de família muitos
anos depois.
Embora nunca tenha reclamado, não foi atoa que ele nunca mais convidou
os netos para uma viagem como essa. Deu muito trabalho daquela vez. Era um mais
terrível que o outro.
Com essa história na memória, quis retribuir o desprendimento que ele
teve ao propor aquela viagem. No começo do ano, comecei a imaginar como seria
levar meu avô – agora com 96 anos – de volta para Santos, cidade onde ele
passou sua lua de mel e muitas de suas férias, acompanhado de familiares. A
última vez que ele esteve lá foi com minha avó em 2010, e poucos meses depois
ela faleceu. Ele iria agora com a Natália, a Anelise e eu.
Quando eu propus a viagem, ele aceitou. Tinha medo que ele recusasse ir
para evitar as lembranças da minha avó. A Natália e eu fomos programando a
viagem, definindo as questões práticas e logísticas. Já tínhamos pensado nas
compras, no que iríamos levar e até quais programas poderíamos fazer. A Anelise
criou a expectativa de voltar à praia.
Quando faltava um mês para a data combinada, ele desistiu de ir. Deu
algumas desculpas como dores nas costas e a questão de irmos em alta temporada.
Era a única época em que eu poderia levá-lo por conta de trabalho. Quando vi
que eram apenas desculpas para não ir, confesso que fiquei chateado. Não
demonstrei para ele, apenas disse que tudo bem.
Queria que tudo o que eu imaginei para esta viagem se tornasse
realidade. Queria vê-lo animado com o passeio, esperando alguma coisa boa para
logo adiante. Mas é muito difícil obrigar um idoso a fazer o que a gente acha
que é o melhor para ele. É quase impossível fazer que um idoso de idade
avançada desconsidere suas limitações físicas e se anime para sair da rotina,
que se disponha a buscar novas metas. O que a velhice pede é que a gente seja
sensível, respeite as vontades e os limites.
Queria mais uma viagem para colocar na minha coleção de boas lembranças
das vivências com meu avô, mas o mais sensato é agradecer que ainda temos tido vivências
juntos. Viajei na expectativa e para a praia eu não fui.
| Pensei
que escreveria algumas crônicas sobre as aventuras desta viagem, mas foi não
ter viajado que virou crônica.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 28/11/2015, Edição Nº 1383.
