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Arte de Weberson Santiago |
Vitor tinha quatro anos quando o Sr. Arthur se mudou para a casa do
outro lado da rua com sua esposa, dona Olímpia. O casal não era de conversa e
ninguém da rua sabia de onde tinham vindo. Pouco tempo depois da mudança, a
vizinha fofoqueira, dona Elvira, procurou sua mãe para lhe contar o boato que
corria na vizinhança. Diziam que o novo morador havia saído fugido de uma
cidade do interior de Minas onde morava por ter matado um homem.
A vizinhança cultivou uma distância. Os homens acenavam ou diziam bom
dia quando abriam o portão da garagem e encontravam seu Arthur na frente de
casa. As mulheres sequer cumprimentavam dona Olímpia. O casal nunca tomou
iniciativa para o entrosamento e manteve-se, de certo modo, isolado dos
vizinhos.
De ouvir os comentários dos pais, as crianças cresceram com medo do
casal. A partir dos sete anos, Vitor e seus amigos passaram a ir pra escola a
pé e toda manhã de dia de aula tinham de passar pela calçada da casa de seu
Arthur e dona Olímpia para chegar até a escola. Jorjão apertava a campainha da
casa deles sem avisar os outros dois amigos e saia correndo na frente, seguido
pelos dois. Remela jurava de pé junto que tinha visto um dia, pela fresta entre
o portão e o muro, seu Arthur cortando um cadáver com o serrote no fundo do
terreno. Todos da rua ouviam barulhos de ferramentas diariamente vindos de lá.
Depois dos sete anos de idade, Vitor perdeu um pouco do medo e passou a
se interessar pelo que lhe causava estranheza. Um dia saiu pra escola sozinho e
viu seu Arthur na porta. Desejou-lhe bom dia. Ouviu como resposta um murmúrio
seguido de um bom dia mais pra dentro do que pra fora. Na semana seguinte,
acompanhado de Jorjão e Remela, viu o seu Arthur de costas, recolhendo as
folhas que varreu na calçada. Disse-lhe bom dia e teve o silêncio como
resposta. Virando a esquina, os amigos lhe repreenderam:
— Tá louco, Vitor? – perguntou o Remela.
— Você não sabe que ele é um assassino? Não viu a enxada na calçada? Vai
que ele resolve arrancar a sua cabeça fora! – emendou o Jorjão.
— Vocês são dois cagões! – respondeu.
Num dia qualquer, após o almoço, a mãe de Vitor foi limpar a gaiola do
canário de estimação do menino – batizado por ele de Falcão – quando, sem
querer, o deixou escapar. Vitor, que estava por perto, viu que o canário pousou
na cadeira da sala de jantar. Na ponta dos pés, se aproximou para tentar
capturar o pássaro, mas ele percebeu sua aproximação e bateu asas, deu um
rasante na sala de estar e escapou pela janela da frente, para fora da casa.
Vitor, que seguiu o pássaro até a sala, subiu na mesa de centro e acompanhou a
trajetória do pássaro. Ele foi na direção da casa do seu Arthur e pousou na
goiabeira plantada na frente da casa.
Sua mãe, sentindo-se culpada, disse que lhe compraria outro. Mas ele não
queria outro. Nenhum canário cantaria tão bonito quanto o Falcão. Se ele
quisesse recuperar seu pássaro teria de pedir ajuda para o vizinho enfezado. A
goiabeira ficava do lado de dentro da casa, atrás do muro, em frente da varanda
da porta de entrada, onde o casal costumava ficar sentado algumas horas do dia.
Vitor não hesitou, atravessou e tocou a campainha.
ef
Este conto continua na edição do Democrata daqui a 15 dias.
| Às vezes a vida nos impõe mudar de
direção. Somos obrigados a ir de encontro ao que evitávamos manter contato.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 13/06/2015, Edição Nº 1359.

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