![]() |
Arte de Weberson Santiago |
Continuação do conto publicado na edição 1.359. A primeira parte está
disponível clicando aqui.
ef
Vitor atravessou a rua correndo e tocou a campainha da casa do seu
Arthur. Alguns minutos depois saiu dona Olímpia. Vitor contou que seu pássaro
havia fugido e que viu ele pousando na goiabeira da frente da casa deles. Seu
Arthur, que viu a mulher indo em direção ao portão, interrompeu a conversa lá
de dentro perguntando: “Quem é, mulher?”. Ela se virou de costas e, olhando no
rosto do marido, disse: “É o menino que mora aí na frente. O canário dele fugiu
e ele acha que está aqui na nossa árvore”. “Manda ele esperar aí que eu vou
pegar meus óculos e uma ferramenta pra ajudar” – respondeu o dono da casa.
Vitor sentiu um enorme frio na barriga. Começou a imaginar que seu
Arthur traria alguma ferramenta para lhe punir por alguma daquelas vezes que
aprontou com seus amigos. Suas pernas finas começaram a tremer e ele sentiu uma
enorme vontade de sair correndo e voltar pra casa. Foi quando avistou o velho
Arthur, que saiu pelos fundos da casa até sua oficina e deu a volta pelo
quintal, empunhando uma vara. Em pensamento Vitor já tinha atravessado a rua,
fechado o portão da sua casa quando a parte final da vara chegou a seu campo de
visão e ele viu um aro e um saco de tule. “Uso isso pra apanhar manga lá no
fundo, acho que pode nos ajudar a pegar seu canário” – disse o senhor – “vamos
lá, me mostra onde ele está, menino”.
“Eu não sei direito, mas fiquei de olho e ele não saiu daqui” –
respondeu Vitor enquanto dava voltas no pé de goiaba. Dona Olímpia, sentada na
varanda, interrompeu: “Você tem que falar com o meu marido com a boca voltada para
os olhos dele. Ele perdeu a audição no tempo em que trabalhou na mineração, mas
consegue ler o movimento do seu lábio.” Vitor enxergou o canário bem no alto e
apontou o dedo em sua direção, sem lembrar da instrução que havia acabado de
receber. “Olímpia, busca uma caixa de sapato”, disse o velho à esposa. Em
seguida, combinou com Vitor: “Temos de agir rápido pro seu canário não escapar.
Eu vou dar o bote com a rede e trazer em sua direção, você vai estar com a
caixa e vai tampar o aro pra ele não escapar, depois eu te ajudo a colocar ele
dentro da caixa”. “Tá certo” – respondeu o menino.
O velho partiu para a captura empunhando a ferramenta e foi em direção
ao topo da árvore, onde estava o canário. Vitor se posiciona a distância exata
do comprimento da vara para que seu Arthur pudesse descer a rede diretamente na
direção da caixa. Quando balançou a rede pelas costas do canário, o pássaro
voou. Embora Arthur dispusesse de grande vigor físico, os 77 anos lhe trouxeram
como consequência alguma lentidão nos movimentos, tempo suficiente para o
pássaro escapar, sabe-se lá pra onde.
O velho ficou decepcionado e pediu desculpas por não ter conseguido. O
menino ficou dividido entre a tristeza de ter perdido seu canário e a pena do
velho que teve tão boa vontade. Os dois estavam cabisbaixos quando o velho
disse: “Tive uma ideia! Venha aqui que eu quero te mostrar uma coisa”.
Vitor seguiu Arthur pelo quintal até a área coberta do fundo, onde
também havia um cômodo. Lá estavam diversas ferramentas, madeiras, troncos,
móveis. “O senhor é que fez isso aqui?” – perguntou apontando as pequenas
esculturas de madeira. “Sim, desde que me aposentei da mineração, trabalho como
marceneiro, mas não é isso que eu queria te mostrar”.
E continuou: “Olha aqui, eu tenho esse casal de Diamante de Gould. A
fêmea botou quatro ovos anteontem. Daqui a 16 dias eles vão nascer e um deles
será seu. Volte daqui a duas semanas para ver se a cria vingou e quando tiver
com três semanas de vida você já pode levar pra sua casa. Vitor saiu de lá
empolgado. Nunca tinha visto um pássaro daquele, com cores tão diferentes. Entrou
em casa correndo, contando pra mãe que iria ganhar um pássaro do vizinho e só
se lembrou da perda do canário quando viu a gaiola vazia. A mãe ficou
preocupada com a aproximação dos dois, já que a fama do vizinho não era boa,
mas pensou que a história acabaria quando o pássaro viesse pra casa. Para
Vitor, duas semanas pareciam uma eternidade.
ef
Este conto chega ao fim daqui a duas edições do Democrata, em 15 dias.
| O que causa estranheza de longe
pode causar uma agradável surpresa quando nos aproximamos.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 27/06/2015, Edição Nº 1361.
