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Arte de Augusto Amato Neto |
Tenho a sorte de ter um pai músico. Minha infância foi embalada por uma
coleção de discos de vinil com clássicos do jazz e do blues e pelo som dos seus
saxofones, o tenor e o soprano.
Em casa, rolavam alguns dos ensaios. Os meus ensaios preferidos eram os
do meu pai com o Kiko Zamarian de noite no quarto de som, cômodo da casa com
uma estante de ferro que ocupa toda a parede e que abriga seus discos numerados
e catalogados, cada um em um saco plástico transparente. Prateleiras que abrigam
seus aparelhos de som e caixas acústicas, onde ele guarda, na parte de baixo
com portas, seus saxofones e sua intocável caixa de ferramentas – aquela que eu
sempre soube onde ele escondia as chaves e que ele sempre soube que eu usava e
tentava parecer que não tinha usado.
Ali tinha um sofá cheio de almofadas, em que meu pai e o Kiko sentavam
na ponta para ensaiar. Eu chegava de mansinho, passava por trás do meu pai e
deitava no meio das almofadas. Foram as melhores músicas de dormir que uma
infância poderia ter. Ao vivo, dentro de casa, meus sonhos como plateia. Não
gostava quando o som parava, o silêncio voltava e quando eu ouvia o som dos
fechos de metal dos cases dos instrumentos.
À noite ou aos finais de semana, meu pai recebia em casa um casal
apaixonado com casamento marcado. Para complementar a renda familiar ele tocava
sax em casamentos. O primeiro desafio era conciliar o gosto do casal com o seu
bom gosto musical. Eliminar músicas bregas ou clichês do Kenny G, sem causar
descontentamento nos contratantes. Se fosse necessário, ele tirava a música no
sax para agradar a noiva no seu dia especial.
E quando chegava o grande dia, lá ia eu acompanhar meu pai, às vezes o
Kiko também tocava violão, às vezes ele segurava sozinho a trilha sonora da
cerimônia inteira. Me lembro do frio na barriga que sentia ao esperar a hora
certa da música começar, eu não sabia qual era, mas ele acertava a hora exata e
mandava seus improvisos. Aliás, a sua grande qualidade como saxofonista é
improvisar e o som parecer ensaiado de tanto que encaixa no contexto.
Eu assistia a reação da família e dos convidados lá daquele mezanino que
tem nas igrejas. Via a cerimônia de cima, mas achava que a benção do casamento
era dada também pelo meu pai e pelo som forte e emocionado de seu saxofone.
A única coisa que eu não gostava eram das noitadas que eu ainda não
conseguia acompanhar. Quando eles faziam shows em bares da região e eu ia
junto, não conseguia aproveitar porque era muito pequeno. Logo já me dava sono
e eu ia pro carro dormir. Queria que essa fase tivesse ido até a minha
adolescência para que eu pudesse ter aproveitado mais.
| Pela minha formação musical, sertanejo universitário não consegue
tirar o diploma.
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Um comentário:
Tivemos o privilégio de tê-lo, junto aos Ojos Negros no nosso casamento... no repertório, prá lá de bom gosto , egberto gismonti, santana, entre outros...
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