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Arte de Weberson Santiago |
Crescer dói. Não só porque o corpo se estica desde o nascimento até a
juventude. Dói porque crescer é ter que aprender continuamente, sem trégua. É
receber uma dose maior de responsabilidades a cada ano de vida. É ter de provar
seu bom desempenho para a sua família e para a instituição de ensino que
escolheram para você e mais tarde, se te derem a liberdade, para a que você
escolheu. É ter que provar a si mesmo que você da conta de tudo isso.
Durante as transições, o medo toma conta e a insegurança aumenta. É
quando precisamos de alguém que diga: “vá em frente, eu acredito na sua
capacidade”.
A Anelise foi para a 1ª série neste ano. Na primeira semana de aula veio
colado em seu caderno de recados um calendário de provas. Mudou o formado da
apostila de lição de casa, com mais conteúdo e com tarefas um pouco mais
complexas. Agora ela entra no portão grande, junto com todos os alunos do
ensino fundamental. Pequenas, mas significativas mudanças para uma criança.
Com apenas 6 anos já será avaliada. A responsabilidade pesou. Na
segunda-feira da segunda semana de aula chegou em casa contando que não tinha
conseguido anotar duas palavras porque tinha ficado conversando com dois
coleguinhas.
Poderíamos metralha-la com frases como: “eu já falei que você precisa
aprender a se concentrar”, “sua escola é muito cara para você não fazer as
coisas que a professora manda”, “se você não fizer a sua parte ficará de
castigo”, “ai de você se sua professora reclamar que você fica conversando
durante a aula na primeira reunião”.
Recolhi as acusações e ameaças ao lembrar como detestava ouvi-las na
minha infância e adolescência.
A Natália e eu tivemos uma conversa com ela, mas em outro sentido:
“Anelise, a 1ª série é mais difícil do que os outros anos. Você ainda está se
acostumando com essa diferença. Não tem problema que você não anotou as duas
palavras hoje. Você só precisa aprender a se concentrar no que a professora
está pedindo e terminar a tarefa que ela passou. Deixe pra conversar com seus
amigos depois que terminar ou no intervalo do recreio. Uma coisa que pode te
ajudar é dormir um pouco a tarde, pois se você fica muito cansada no outro dia,
o cansaço atrapalha a prestar atenção. Ainda tem muito tempo pela frente, você
vai aprender muito neste ano. Só precisa fazer a sua parte.”
Percebi que ela ficou mais tranquila após a conversa. Para nós, a Ane
ter contado o que aconteceu foi muito bom, um sinal de que ela confia em nós.
Mais do que isso, ela estava pedindo ajuda. Foi como se ela dissesse: “não estou
dando conta do começo da 1ª
série e estou preocupada se vou conseguir dar conta
até o final”.
No dia seguinte, fui leva-la pra escola. Antes que descêssemos do carro,
eu disse:
— Hoje vai ser melhor que ontem, Ane!
— Tomara, Augusto, tomara! – respondeu, com os olhos cheios de
esperança, mas ainda um pouco insegura.
Como nós confiamos nela, ela também confiou no que dissemos e se
encarregou de dormir um pouco a tarde em todos os dias que se seguiram, sem
qualquer cobrança de nossa parte.
Nas semanas seguintes, uma conversa ao final de cada dia nos mostrou que
ela estava dando conta do começo. Ela ficou mais confiante e segura.
Novas dificuldades virão. Logo chegarão as provas e precisaremos
ajuda-la com a novidade. Que bom! Essas dificuldades mostram que a Anelise está
crescendo.
| A função dos pais é ajudar a
enfrentar as dificuldades do caminho, não apenas tomar para si o mérito das
vitórias dos filhos.
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