Augusto Amato (Tino),
91 anos
O meu avô é
o meu melhor amigo.
Recentemente
tenho tido o prazer de conviver diariamente com o pai do meu pai e, neste
tempo, descobri um amigo de infância. Eu não acompanhei a infância dele, mas
ele acompanha a minha vida desde que eu nasci. E mesmo que eu não tenha
participado dos seus primeiros sessenta e quatro anos de vida, tenho tido o
privilégio de saber o que ele viveu nestes anos e de dividir todas as suas
aventuras. A grande diferença nos números da idade não atrapalha a parceria,
mas incentiva a troca de experiências.
Chego a me
confundir sobre quem sente o peso da idade. Enquanto eu estou sempre
sobrecarregado com a rotina, ele esbanja disposição. Acorda todos os dias as
seis da manhã e não sai do quarto sem estender os lençóis. Não deixa a
empregada arrumar a cama. Faz questão de estabelecer a ordem nos primeiros
comportamentos do dia. Se é no sono que registramos nossas memórias, nada como
preparar a cama para as novas lembranças com a confiança de quem chegará ao
final de mais um dia produtivo.
Eu tenho
buscado aprender as lições contidas nas entrelinhas das páginas de sua história.
Admiro como ele busca no cumprimento de todas as suas regras um estilo único,
como ele consegue o aprimoramento através do método que ele cria para fazer
todas as coisas, desde as mais simples. Preserva um espaço para o trabalho na
rotina diária, como o faz desde moleque. Não por isso pensa apenas em si mesmo.
É membro de algumas entidades sociais e religiosas e não perde as reuniões em
hipótese nenhuma. Foi observando a forma que ele leva a vida que eu revi minha
busca pela máxima atividade possível, o que eu julgava inteligente.
Inteligente
é a maneira com que ele lida com as suas próprias emoções. Parece que ele faz
amizade com suas dúvidas e dilemas. Se adapta com rapidez inclusive com o que
não vai de encontro às suas expectativas. Embora seja descendente de italianos,
tem paciência de oriental. Pratica Yoga há mais de quarenta anos e dificilmente
se deixa abalar mais do que o necessário pelos trancos e barrancos da vida. Meu
avô Tino é uma espécie de mentor da experiência vivida, um sábio que não cansa
de repetir as histórias de sua vida porque sabe que sua trajetória tem muito a
ensinar para quem as ouve. Ninguém é capaz de fazer uma narrativa como ele.
Suas crônicas faladas se destacam nos grupos que frequenta, com os familiares e
até já fizeram sucesso na televisão, quando ele falava semanalmente sobre
economia e terminava sua coluna com “Tenho dito!”, como eu termino minhas
crônicas de padaria pedindo “um café e a conta!”.
Seu
otimismo implícito o torna uma boa companhia para qualquer programa. Temos
nossos encontros agendados para os almoços. Conferenciamos o passado, debatemos
o presente e especulamos o futuro. Se a paciência é um dos seus segredos, a
longevidade é devida aos hábitos na mesa. Desde que eu me conheço por gente ele
não sabe comer com pressa. Enquanto ele ainda está na salada, eu já estou
devorando a sobremesa. Termino antes por mal hábito, mas aproveito o costume para
puxar mais um papo.
Outro lado de sua maneira de levar
a vida é a jovialidade com que ele encara seus desafios. Para meu avô não tem
tempo ruim. Acontece que o excesso de espírito jovem acaba, de vez em quando,
em rebeldia. Como dirigir na estrada contra toda a família, atitude que eu
admito ter dificuldade para reprimir toda vez que ele volta inteiro. Muitas
vezes pegou o carro escondido para ir a Ribeirão Preto para levar a minha avó. Ela
o protegia, guardava o segredo de suas aventuras adolescentes, mas não piscava
o olho no trajeto. Ela sabia das suas ousadias.
O que
aconteceu numa destas viagens às escondidas ele me confidenciou dia destes. Em determinado
trecho da estrada, a faixa contínua dividia a pista de mão dupla e identificava
a ultrapassagem como proibida. Ele deu seta para se deslocar até a frente de um
caminhão quando minha avó, atenta, interpelou:
― Tino, você
não vai passar o carro aqui, vai, maridinho?
― Rosa, eu
estou vendo que não vem carro nenhum do outro lado! – respondeu, levando o
carro para o lado do caminhão.
― Não está
vendo que é proibido? Olha a faixa! – brava numa tentativa frustrada de
impedi-lo.
Assim que ultrapassou
o caminhão, meu avô deu de cara com um carro da polícia no acostamento. O
policial fez sinal para que ele parasse e disse:
― O senhor
fez uma ultrapassagem em local proibido. Terei de multá-lo!
― Eu vi que
não vinha ninguém no sentido oposto e não reparei na faixa – defendeu-se.
Minha avó,
brava com a falta de prudência, não se conteve:
― Eu bem
que falei para ele não ultrapassar, mas sabe como é... Ele não me ouviu!
Apontei a faixa, disse para esperar, mas ele não quis. Pode passar a multa, seu
guarda! Quem sabe assim ele aprende a não ser tão teimoso!
O policial
não conseguiu manter a postura na abordagem e esboçou um sorriso. Vendo o preço
que ele pagaria no restante do caminho e talvez nas próximas viagens, achou que
multa era irrelevante e mandou que prosseguissem a viagem.
| Permanecer
próximo das pessoas queridas é uma via de mão dupla. Ensinamos e aprendemos a
chegar a algum lugar.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria
Publicado no Caderno Cultura, p. 3, 17/09/2011, Edição Nº 1165.

2 comentários:
Vou tentar novamente:
Muito boa a crônica, muito bem escrita, melhor ainda por falar a respeito de uma pessoa com quem tive o privilégio de conviver quando aí morava e a quem aprendi a admirar.
Grande Sr. Augusto!
Sr. Tio Amato, para mim foi um escola no meu profissionalismo , além de um companheiro e tanto, saudades, sempre o tive como meu ídolo em todas as atividades da minha vida
Edison Nassin
Postar um comentário