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Arte de Weberson Santiago |
Fazíamos uma caminhada quando a Natália resolveu dividir uma reflexão a
partir da sua prática clínica psicológica. Ela me disse que havia pensado sobre
como estamos o tempo todo extrapolando os limites e necessitando que alguém nos
coloque de volta no lugar que corresponde ao nosso naquele momento.
Ela me dizia que é assim desde a gestação quando não nos contentamos com
os limites do útero e tentamos ganhar espaço com chutes e movimentos. Pensei
que aqueles chutes que comemoramos talvez não deveriam ser tão festejados se
considerarmos como uma forma precoce de extrapolar os limites levemente
agressiva. Difícil é não se derreter com a mágica da vida tomando forma.
Naquele momento, involuntariamente a mãe está ponto limite com seu útero.
Mas não demora muito para o bebê querer ficar sentado o tempo todo e termos de
deita-lo, para ele querer ficar de pé no berço, nos obrigando a descer o
estrado, dele engatinhar e andar, querendo explorar mais espaço do que sua
segurança permite e lá vamos nós correndo atrás para mostrar até onde ele pode
ir.
E isso não termina com a infância. A adolescência é a extrapolação dos
limites de dentro e de fora de casa, quando pedimos para ser contidos nessa
busca por liberdade. É provável que até na vida adulta busquemos este limite em
uma relação estável que freie uma vida desregrada e promíscua, um trabalho que
me ponha horários e regras e não me permita viver de qualquer jeito.
Alguém poderia questionar o quanto o limite é uma necessidade. A
necessidade do limite fica evidente quando ele não existe. Se o limite fosse
algo restritivamente ruim, sua ausência deveria trazer felicidade. Na
psicologia clínica vemos o contrário.
Quando há ausência de limites, a pessoa se sente negligenciada, como se
fosse pouco importante para que os próximos se preocupassem com ela. A falta de
alguém que me proteja me faz experimentar sentimentos de solidão e tristeza.
Esta ausência pode fazer inclusive com que eu me sinta invisível. Vemos que é
esta ausência – muitas vezes uma ausência presente – que está por trás de
automutilação e tentativas de suicídio em adolescentes, por exemplo.
Como suas necessidades afetivas não são percebidas e uma série de
imposições que consideram o desejo dos pais se sobrepõe, o comportamento
autolesivo de um adolescente pode ser uma forma – ainda que drástica – de pedir
amor na forma de compreensão e na forma de limites.
A reflexão inicial da Natália me fez pensar no momento político e social
em que estamos vivendo e o comportamento das pessoas, sobretudo nas redes
sociais. Acredito que o comportamento intolerante e agressivo que temos visto
tem muito a ver com a ausência de limites. Tenho a sensação que vejo pessoas
desesperadas por atenção e para que alguém venha, ainda que sobre a forma de
conflito, e lhe ponha limites. Todo mundo é extremamente corajoso atrás de um
computador ou celular porque não tem o semblante e o olhar – e as vezes a mão –
do outro lhe pondo limites.
Não acredito que as pessoas postem suas posições
com o intuito de instruir os desinformados. Também não acredito que o
propagador de fake news o faça por ignorância.
Ele está desesperadamente pedindo que alguém o corrija e prolongará o máximo da
atenção que puder obter “resistindo” a ceder para se certificar que não pode
tudo e que não está sozinho neste mundo. A insegurança que sentimos neste
momento é por vivermos em um mundo em que tudo pode. E poder tudo é não ter
limites.
| O limite não limita, dá segurança.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 10/11/2018, Edição Nº 1537.