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Arte de Weberson Santiago |
As flores nunca mentem. Posso lhe dar um ramalhete de exemplos para comprovar.
As flores nunca mentem quando recebemos uma visita que parece muito feliz
com nossos progressos pessoais, mas que esconde uma inveja enorme de nossas
conquistas. As flores murcham pouco tempo depois para nos mostrar com quem
estamos lidando.
Se ainda resta alguma dúvida de que as flores murcharam por conta da
inveja elas reagem brotando ou florindo um tempo depois para nos lembrar que o
motivo de ter murchado foi o sentimento da visita. As flores nunca mentem.
As flores nunca mentem quando recebemos um buquê de presente. Se retrata
de um amor verdadeiro o buquê exala frescor. Se foi planejado para comemorar
uma data especial, o buquê conversará com você sobre as memórias do relacionamento.
Se foi um presente para compensar uma pisada de bola, as flores estarão
dispostas a lhe dar um alerta sobre os perigos da sedução, mas só se você
estiver disposto a ouvir. As flores nunca mentem, desde que nós mesmos não
queiramos nos enganar.
As flores nunca mentem sobre o quanto as pessoas são boas em cultivar. As
flores revelam se a pessoa tem “mão boa” para plantar, se a pessoa tem
disponibilidade para cuidar com frequência, se a pessoa sabe perceber a
necessidade da planta e dos outros, se a pessoa sabe adubar suas plantas e as
pessoas de ideias.
As flores nunca mentem quando morrem e respeitam nossa dificuldade em
lidar com a perda. Se nossa dificuldade é grande, a flor perde pétala por
pétala para que nos acostumemos com a morte. Se já endurecemos diante de outras
perdas, a flor seca por inteiro. Se são muito representativas, aceitam ser
esmagadas pelas páginas de um livro para que sejam eternizadas, ainda que
secas.
As flores não mentem quando estão presentes nos velórios. Há coroas que
verdadeiramente homenageiam, mas há outras que revelam culpa por uma atitude
com o morto ou remorso pelo abandono no final da vida. E as flores entregues no
túmulo com frequência revelam a dificuldade de aceitar a perda ao tentar manter
a pessoa viva dentro de si com o ritual. As flores nunca mentem.
Por isso eu não concordo com o Cartola– e não concordo só com este trecho
de toda sua obra – quando ele diz que as rosas não falam. As rosas não só falam
como avisam, aconselham, dão dicas e até gritam. As gérberas, petúnias,
begônias, margaridas, violetas e até os cravos também. Basta querer ouvir.
| Você já ouviu as verdades que as suas flores tem para lhe dizer?
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 20/10/2018, Edição Nº 1534.