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Arte de Weberson Santiago |
Era o
primeiro dia do ano de 2017. Resolvemos buscar pão e tomar um café da manhã com
calma em casa. Ao chegar na padaria, uma movimentação na porta chamou a nossa
atenção. Havia cerca de doze meninos, com idade aparente entre oito e doze
anos. Eles se aglomeravam em cima de quem deixava o estabelecimento e havia
acabado de passar no caixa para pedir “boas festas”.
O
costume de tentar arrecadar uns trocados no primeiro dia do ano é antigo. Eu
sou acordado por um garoto pedindo “boas festas” a cada primeiro de janeiro
desde que me entendo por gente, e nunca me lembro de desligar a campainha no
último dia do ano para poder curtir o sono até mais tarde.
A
movimentação na porta da única padaria da cidade que abriu as portas naquele
dia não nos pareceu pacífica. A princípio não entendemos se a doação era
espontânea ou de alguma forma incitada por coerção. O empurra-empurra entre os
garotos para ver quem ganhava as moedas gerou uma pequena briga entre eles, que
se ameaçavam.
Pensei
que provavelmente eles saíram de casa em casa, tocaram as campainhas, mas
obtiveram pouquíssimo retorno. Se alguém os atendeu, foi com a resposta “hoje
não tem”. Sob efeito das negativas, acabaram por encontrar na porta da padaria
uma possibilidade de arrecadar algo. Todo saco de pão que é pago em dinheiro
tem moeda de troco. Com a carteira e o saco de pão na mão, seria mais difícil
receber um não.
Em
nenhum momento senti medo daqueles garotos, mas fiquei incomodado com o
significado daquela situação. O que um dia foi um ato de generosidade – doar
alguma moeda para que uma criança pudesse comprar algo de baixo custo que
fizesse o seu dia mais feliz – havia se tornado uma situação constrangedora e
incômoda para ambas as partes. Para os meninos que não terão o prazer de ganhar
e para quem não dá, seja por não ter como dar ou por não querer dar porque não
sabe como será o dia de amanhã em um contexto de crise.
Como
ainda estamos vivendo o ápice deste momento de crise, fica difícil entender
qual a sua proporção. É uma crise da sociedade? Uma crise econômica? Uma crise
política? Uma crise da ética e da moral? Ou é tudo isso junto? Fica difícil
também, imaginar onde ela vai parar. É um efeito dominó, em que uma queda gera
a outra, um desmoronamento de um lado leva a outro desmoronamento de outro
lado, uma falta aqui provoca uma falta ali.
Por essa
razão, temos a sensação de que a crise é contagiosa. Ela vai envolvendo cada
vez mais pessoas e tornando sua situação mais complicada. E por mais que seja
difícil compreender a proporção desta crise, de uma coisa eu não tenho dúvidas.
As pessoas, quando inseridas em um contexto de crise, entram em crise. São
tomadas pela crise, vivem em crise.
Quem
consegue retomar o equilíbrio emocional pouco tempo depois do evento incômodo
não permanece em crise. Se não podemos evitar entrar em contato com a crise,
que pelo menos nossas crises sejam momentâneas, sejam passageiras.
| A melhor maneira de compreender
um momento que passamos é olhar a situação com distanciamento, como se não
fizéssemos parte dela.
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